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As polêmicas graphic novels que ensinam a traficar drogas na Europa

24 março 2015

Conheça a série de quadrinhos inglesa inspirada no pai criminoso do autor.

 

Em 2008, o estreante Jason Wilson era o artista da vez no mercado de quadrinhos da Inglaterra. Mas o burburinho em torno de seu nome não estava restrito apenas aos círculos de fãs de gibis e virou tema de discussões entre autoridades da região de Midland West.

O motivo foi o lançamento do álbum de luxo Him & Her’s Smuggling Vacation (algo como O Contrabando de Férias Deles, em tradução livre), escrito e desenhado por Wilson e inspirado em um episódio verídico da juventude de seu pai, Anthony Cyril Spencer, que traficou maconha da Espanha para a Inglaterra fazendo uma ponte por outros países da Europa sem ser incomodado.

Spencer já foi declarado pela polícia inglesa um dos criminosos mais procurados do Reino Unido. Por fabricação e contrabando de drogas e assalto à mão armada, ele havia passado cerca de 20 anos na prisão antes de, no início da década passada, ser novamente condenado a seis anos de reclusão na Espanha, por tráfico de maconha. Nesse último período de cárcere, o traficante se uniu ao filho para contar sua história em uma graphic novel.

O problema era que, mesmo se tratando de uma aventura escrita em tom de pura comédia e misturada a elementos ficcionais, Him & Her’s Smuggling Vacation foi apontada como um guia detalhado e completo de como traficar drogas para a Inglaterra.

Him & Her’s Smuggling Vacation

E não era para menos. Na HQ, há explicações sobre os melhores meios de transporte para esse fim; como levar maconha pelo mar e secá-la em terra; formas seguras de comunicação dos planos; descrição de como os policiais agem nas operações de vigilância; e muitas outras revelações que causaram desconforto na polícia e entre os políticos.

“Estou absolutamente constrangido. Não quero impedir que criminosos escrevam sobre suas experiências. Mas colocar informações como essas em uma revista em quadrinhos é altamente perigoso, pois só aumentará o conhecimento criminal dos presos”, disse Khalid Mahmood, do partido Labour e, na época, membro do Parlamento do Reino Unido, em entrevista ao jornal britânico Sunday Mercury News. “Não podemos transformar nossas prisões em universidades do crime”, completou.

A preocupação de Mahmood se devia ao fato de que a graphic novel conquistou o sucesso entre os detentos da prisão de Winson Green, que receberam alguns exemplares das mãos de amigos e parentes. Para desespero das autoridades inglesas, a intenção de Jason Wilson era a de que sua HQ chegasse a todas as prisões da Inglaterra.

Página de Him & Her’s Smuggling Vacation

Lançada originalmente em seu próprio site, em 2007, a história em quadrinhos era disponibilizada em capítulos até chamar a atenção da editora Dealer Comics. A publicação online fora interrompida na página 66 e a versão impressa (completa, com 74 páginas) começou a circular em junho de 2008.

Além da população carcerária, os fãs de quadrinhos e a crítica especializada também reagiram positivamente à HQ, registrando opiniões em blogs e fóruns de discussão na internet europeia e dos Estados Unidos.

Isso porque, livre de qualquer preconceito ou moralismo, é fácil encarar Him & Her’s Smuggling Vacation como uma leitura obrigatória para quem gosta do estilo europeu de fazer HQs de humor, com arte expressiva e caricatural, diálogos cortantes e diagramação quase caótica dos balões.

Embora Wilson continue afirmando que sua graphic novel não tenha a intenção de conferir uma áurea heroica aos criminosos, nas cenas de quase prisão ou de fuga dos personagens principais é difícil não torcer a favor daqueles que deveriam ser encarados como os vilões da história e são mostrados como simpáticas vítimas diante do leitor.

Day of the Deal

E do lado de fora, a publicidade espontânea garantiu um ótimo resultado de vendas, de acordo com informações do próprio quadrinhista.

Além disso, o impacto do tema nos leitores continua gerando comentários bem menos acalorados que os das autoridades inglesas. “Já imaginou se o álbum fosse impresso em folha de maconha? (…) Ficaria mais fácil passar pela fiscalização”, brincou um visitante do blog norte-americano The Beat.

Mas nunca houve manifestações oficiais da polícia ou do departamento prisional de Midland West sobre o assunto. Até hoje, não encontraram impedimentos legais contra a leitura do álbum dentro dos presídios.

Talvez por esse motivo, Wilson se sentiu tranquilo para, em 2010, lançar a continuação de Him & Her’s Smuggling Vacation. Em Day of the Deal (Dia do Acordo), o autor foi mais além na provocação e, na quarta capa do álbum, desfilou comentários de presidiários sobre a obra.

Página de Day of the Deal

A graphic novel traz de volta o casal de vilões ingleses Kaye e Stan, ainda contrabandeando drogas e fazendo de idiotas as autoridades policiais. Novamente, as situações vividas pelos personagens foram as mesmas que Anthony Spencer viveu em seus tempos de crime, incluindo dicas "quentes" sobre o tráfico de entorpecentes. Para amenizar tudo, o humor é ainda mais abundante que em Him & Her’s Smuggling Vacation.

Para quem não se importa em ver um festival de crimes impunes baseados em fatos, a dica é curtir essas duas divertidas produções em quadrinhos, de boa qualidade gráfica e editorial, disponíveis em diversos e-shops com preços bastante honestos.

Marcus Ramone gosta de cheirar gibis novos, mas teve receios de fazer o mesmo com Him & Her’s Smuggling Vacation e Day of the Deal. 

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