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Obra de Angelo Agostini ganha edição, literalmente, histórica

1 dezembro 2001
As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869-1883
Capa do álbum histórico sobre a obra de Angelo Agostini

Primoroso, exuberante, fantástico, magnífico, soberbo, estupendo. Qualquer um desses adjetivos retrata com fidelidade As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869-1883 (formato 31 x 22 cm, 198 páginas, papel couché, R$ 50,00), um belíssimo álbum editado pelo Senado Federal.

Muito mais do que um "simples" álbum de quadrinhos, esse livro é um documento histórico, que cataloga, em um único volume, o trabalho do pioneiro dos quadrinhos nacionais, o ítalo-brasileiro Angelo Agostini. Mais do que isso: comprova, definitivamente, que o nosso país está, sim, entre os pioneiros da nona arte no mundo inteiro.

Afinal, agora ficou muito mais fácil provar aos estudiosos estrangeiros que Angelo Agostini merece figurar ao lado de do inglês Thomas Rowlandson (Dr. Sintaxe, 1798), do suíço Rodolphe Topffer (Monsieur Vieux Bois, em 1827), do alemão Wilhelm Bush (Max e Mortitz, 1848), do americano Richard F. Outcault (Yellow Kid, 1896) e outros.

Angelo Agostini
Angelo Agostini, um dos precursores dos
quadrinhos no mundo

Tudo graças ao trabalho valioso do jornalista e pesquisador Athos Eichler Cardoso, que organizou o livro e escreveu a introdução da obra. Ele se enfurnou em bibliotecas por oito anos para levantar as histórias. Depois disso, o designer Josias Wanzeller da Silva levou mais dois e meio para dar forma à obra.

As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869-1883 traz na íntegra as histórias dos personagens criados por Angelo Agostini, reunindo o que foi publicado nas revistas Vida Fluminense, O Malho e Don Quixote.

A edição não foi simplesmente fac-similada (reproduzida de forma idêntica à da época). Todas as imagens receberam tratamento digital, para que o leitor pudesse conferir o quão bom era Agostini, tanto no traço, quanto na criação de situações engraçadas.

Zé Caipora em apuros
Zé Caipora em apuros, no traço expressivo de Angelo Agostini

As histórias publicadas em Vida Fluminense e O Malho foram retiradas do acervo da biblioteca da Fundação Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro; e as da Don Quixote, de exemplares emprestados pela sra. Magdala Machado, viúva de Vicente Machado, descrito na dedicatória do álbum como um "alagoano que viveu comprometido com a preservação da memória nacional". Ela reside em Brasília.

O texto, que está sempre abaixo das figuras (como nos quadrinhos de Príncipe Valente, de Hal Foster), foi todo digitado, pois havia alguns capítulos manuscritos, nos quais era difícil a compreensão. A língua portuguesa, felizmente muito bem-cuidada na obra, foi adaptada para os nossos dias, mas os editores tiveram o bom senso de manter alguns termos e expressões da época, como palavras, frases e interjeições francesas que, em 1869, tinham presença marcante na Corte brasileira.

Nhô-Quim
Nhô-Quim podia se caipira, mas de bobo não tinha nada

Editado com o mesmo requinte das melhores obras européias, o livro traz uma riquíssima e bem ilustrada introdução de quase 30 páginas; um glossário dos termos usados nos quadrinhos e as fontes bibliográficas. O prefácio é assinado pelo embaixador da Itália no Brasil, Michelangelo Jacobucci; e há também um texto do Senador Lúcio Alcântara. Entre as pessoas a quem Athos Eichler Cardoso agradece, estão os professores e apaixonados por HQs Sonia Bibe Luyten, que assina a coluna Quadrinhos pelo Mundo, no Universo HQ, Antonio Luiz Cagnin e Flávio Alcântara Calazans.

Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Athos ressaltou que as histórias do álbum são um valiosíssimo documento histórico, pois a partir delas é possível se conhecer o modo como as pessoas se vestiam, os veículos e a arquitetura daqueles dias. "O estilo da época era o traço caricatural. Agostini partiu para o realismo, usou a perspectiva, planos ousados e a profundidade de campo. Naquele tempo não existia nada igual", relatou.

Para o pesquisador, Zé Caipora também foi o primeiro herói de aventura dos quadrinhos; e a índia Inaiá, a primeira heroína do Brasil e do mundo com conotações eróticas. "Hoje, fala-se muito do Homem-Aranha, mas o Zé Caipora foi o primeiro personagem com profundidade psicológica: era um sujeito problemático, cheio de conflitos", declarou ao jornal.

E Athos Eichler Cardoso vai ainda mais longe, ao afirmar que Angelo Agostini foi também o inventor da revista de quadrinhos, pois, em 1886, relançou as aventuras de Zé Caipora em fascículos individuais, com seis capítulos cada. "Nessa época, havia publicações parecidas, mas que incluíam quadrinhos de personagens diversos, caricaturas, contos e folhetins. Zé Caipora foi o primeiro personagem a ter uma revista só sua. Isto só voltaria a acontecer na década de 1930", disse ao Correio Braziliense.

Nhô-Quim e o espelho
Drama de um caipira na cidade grande: Nhô-Quim briga com o próprio reflexo no espelho

O único inconveniente é que essa obra única ainda não pode ser encontrada nas melhores livrarias do País. Para comprar As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros 1869-1883, pelo menos por enquanto, só indo a Brasília ou encomendando ao Senado pelo correio, ou com o autor, por e-mail.

Mas é no último parágrafo do texto da quarta capa do livro que está a principal mensagem dessa valorosa empreitada: "Zé Caipora e Nhô-Quim, sem influência estrangeira, são heróis brasileiros em estado puro. Nesta época de globalização, quando nossos artistas desenham para os sindicatos americanos de quadrinhos, todos precisam conhecê-los."

Sábias palavras! Afinal, para todos os brasileiros apaixonados por quadrinhos, esse livro de tantos adjetivos pode ser traduzido em apenas um: obrigatório!

Sidney Gusman, quando soube da realização dessa edição, vibrou muito com a notícia, mas essa alegria nem se compara à que ele sentiu quando o álbum chegou às suas mãos, lhe propiciando a realização de um sonho: ler as primeiras HQs brasileiras.

Zé Caipora
Página de Zé Caipora, com diagramação ousada para a época.

 

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