Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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Carlos Ferreira fala sobre o festival argentino Viñetas Sueltas

15 junho 2009

2º Festival Internacional de HistorietasDe
25 a 31 de maio último, aconteceu em Buenos Aires, Argentina, o
Festival Internacional de Historietas
, mais conhecido como
Viñetas Sueltas. Uma das atrações desta edição foi o lançamento
da revista brasileira Picabu
no evento.

Carlos Ferreira, um dos autores presentes na Picabu, esteve na
capital argentina e se dispôs a escrever um texto para o Universo HQ
com suas impressões sobre o Viñetas Sueltas. Confira abaixo.

Não poderia ter sido melhor. Não digo que foi perfeito, mas quase perfeito
esse festival argentino Viñetas Sueltas. Quase porque é a segunda
edição e porque a perfeição não existe. Mas arrisco dizer que foi o melhor
evento de quadrinhos de que participei.

2º Festival Internacional de HistorietasPara
quem não me conhece, sou desenhista e roteirista; publico meus quadrinhos,
ditos alternativos,
underground, independentes, "cabeça", ou fanzines
há 20 anos. São aquelas HQs que não sustentam ou não são sustentadas pela
indústria editorial, revistas de grandes tiragens ou editoras gringas.

Chamo minhas HQs de quadrinho de autor porque faço tudo: escrevo, desenho
e edito. Posso parecer meio egocêntrico ao ditar todas essas coisas, mas
juro que o assunto ainda é o Viñetas Sueltas.

Falo dessa minha perspectiva autoral e da minha evasão nos ditos grandes
eventos dos quadrinhos porque me sinto meio que um peixe fora d'água nesse
açude represado que são os renomados "City Comic Con".

2º Festival Internacional de HistorietasClaro
que todos os eventos da nona arte são mais do que bem-vindos, mas quase
todos partem de cima para baixo. Saem do que o grande público conhece
nos quadrinhos, dos super-heróis, aos consagrados
mainstream aos
eternos Mônica e Cebolinha; e o que sobra dessa miscelânea abre as comportas
aos fanzineiros, os bichos-grilos paz e amor que acreditam no sonho e
vivem disso nas historias em quadrinhos.

Eu sou dessa facção e não sou hippie. A minha lição de casa é: "faça você
mesmo e brigue por um quadrinho mais textual e gráfico".

2º Festival Internacional de HistorietasPor
isso, foi grande minha surpresa em 2008 quando descobri que um evento
para quem trilha esse caminho "meimufado" estava nascendo em Buenos Aires.
Quis pegar a minha mochila e partir no primeiro ônibus, ou avião, mas
tive que postergar para o próximo ano.

Então, pensei em como ir, como aplicar o plano perfeito. E a ideia que
tive foi resgatar a clássica
Peek-a-Boo e transformá-la com os
meus parceiros do Grupo Bestiário em
Picabu.

Um ano depois, estou com a revista na mão em um avião rumo à capital argentina.
E descubro que minhas buscas não são únicas, pois autores do mundo inteiro
estão na mesma batida.

2º Festival Internacional de HistorietasO
que eu conhecia de quadrinhos dos últimos anos era uma mera ilusão. Sim,
foi para isso que serviu esse festival. Viñetas Sueltas serviu
para me acordar. Vi muita coisa boa, o que há melhor dos quadrinhos no
mundo, creio.

Eu me lembrei do livro 1984, de George Orwell, no qual o mundo
divulgado na imprensa é meramente especulativo por um governo ditatorial
e corrupto liderado pelo Big Brother. Então há alguém que tente ver o
verdadeiro mundo fora das regras ditadas pelo grande irmão.

2º Festival Internacional de HistorietasMinha
ida a Buenos Aires foi um pouco parecida com isso. E a cidade, que tem
mais livrarias em suas ruas do que há no Brasil inteiro, está longe de
ser uma novidade para mim, pois vivi em Buenos Aires por três anos. O
povo respira e vive a arte ao extremo. Uma arte que provoca e impõe identidades,
personalidades e quebra barreiras. É a casa de Borges, Cortazar, Xul Solar,
Alberto Breccia, Astor Piazzolla e outros gênios.

Viñetas Sueltas está lá para deixar a sua marca de genialidade
também. Enquanto a maioria dos eventos (aos quais não vou, obrigado!)
tem a mera preocupação de vender e premiar, o Viñetas vem mais
para integrar e construir arte e cultura como base de referência aos quadrinhos
autorais.

2º Festival Internacional de HistorietasNele,
Marvel e DC quase não existem. Nada contra os amados super-heróis,
mas há mais coisas para mostrar ao mundo. E Viñetas Sueltas fez
isso em diversas e absurdas exposições com a presença de originais de
Max,
Miguelanxo
Prado
, Alberto e Enrique Breccia, João
Mottini
, Domingo "Cacho" Mandrafina, Andrea Bruno, José Muñoz, Lucas
Nine e outros mestres.

Exposições espalhadas em diversas partes na cidade e eventos como palestras
e oficinas e a feira. Sim, o lugar para ler quadrinhos, gibis, revistas,
álbuns ou
graphic novels.

2º Festival Internacional de Historietas
Mas, como disse antes, esse festival veio para integrar. Diversos autores
circulavam em um ambiente em que as pessoas eram apenas pessoas, nada
de fantasias ou colantes (nada contra, mas foi bom estar ali entre gente
comum). Coisa rara nesse mundo do Século 21.

E muitas dessas pessoas vieram do Canadá, Suíça, Bélgica, França, Dinamarca,
Itália e Brasil. E havia argentinos, claro.

Putz! Esqueci que me pediram para ser breve, mas é impossível com tanta
informação de vanguarda. Eu antes era cético em relação aos quadrinhos
(mesmo sabendo que isso vai parecer meio arrogante da minha parte, já
estou acostumado): apesar de estarmos vivendo uma era marcante no Brasil,
a maioria das coisas que vejo e ouço falar sobre a produção nacional me
parece ainda buscando um caminho entre o careta mercado gringo e o careta
mercado
cool gringo. Mas há quem circule fora desse bambolê...

2º Festival Internacional de Historietas
Então, surge um evento dizendo "Dale lo Bueno". Foi isso que gritou o
Viñetas Sueltas. Façamos longe, descubramos novas formas, os novos
gênios, os novos Breccia, Pazienza, Pratt, Moebius e Hergé. Isso sem querer
parecer ou "chupar" esses mestres, mas tendo uma identidade tão marcante
quanto a deles.

Imaginei o impacto na garotada que foi com tanta fome quantos seus pais
e avós ao Centro Cultural Ricoleta, a sede do evento. Sim, havia
quadrinhos inteligentes para todos os públicos. Quadrinhos a fim de entreter
e outras
cositas mais que a boa arte sequencial pode oferecer.

O Viñetas Sueltas veio para ficar. Vai marcar por ser um festival
de identidade e inovação, por abraçar quem busca a expressividade e a
força dos melhores quadrinhos atualmente produzidos no mundo!

Valeu, Viñetas Sueltas, te vejo no próximo ano!

Carlos Ferreira

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