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Faleceu o quadrinhista independente Paulo Cesar Santos

13 abril 2020

O último dia 10 de abril, sexta-feira, foi uma data triste para os autores de quadrinhos independentes brasileiros. Faleceu Paulo Cesar Santos. Um infarto levou um de meus amigos mais queridos.

Muitas coisas poderiam ser ditas sobre o Paulo. Muitas das quais poderiam ser sobre seu caráter íntegro e também sobre sua famosa teimosia. Ficam o seu trabalho e o esforço incansável para deixar seu nome na história nacional dos quadrinhos.

Conheci o Paulo no começo dos anos 1990, no fanzine Vórtex. Ele já trabalhava com quadrinhos fazendo DEC (processo de adaptação e complemento de desenho nos quadros de histórias gringas publicadas no Brasil) para o estúdio Art & Comics. No final dessa mesma década, tinha feito inúmeros testes para o mercado norte-americano, algo que perseguia com certa obsessão.

Nossa primeira parceria foi o projeto de quadrinhos que viria ser agenciado sem sucesso pela Sequential Arts chamado Avatar. Em seguida, como PointBlank Studio, fizemos algumas histórias curtas para a revista Dragão Brasil (na qual se constituiu o embrião de Draconian) e a animação Crássicos da Periferia, sob a direção de Marcelo Castro, que foi premiado como melhor vídeo brasileiro no Anima Mundi de 2001.

Paulo Cesar Santos

O domínio que Paulo tinha sobre a arte narrativa é algo que se impõe à minha memória. Seu storytelling era cinematográfico, provavelmente uma habilidade que se desdobrava da capacidade de desenvolver roteiros. Esse domínio foi o que levou a dar aulas de desenho e técnicas narrativas na Escola Oficina de Artes de Santo André. Lá, fez uma série de seguidores fervorosos. Não é exagero, basta procurar no Facebook a legião de ótimos ilustradores e desenhistas que ele formou. Você vai encontrar muitos depoimentos afirmando isso.

Foi na primeira década do novo milênio que ele alternou o sonho dos quadrinhos com o trabalho de storyboards, ilustrações didáticas, editoriais e institucionais. Em meados de 2010, Paulo me assediava de forma mais incisiva para fazermos algo juntos, retomar a parceria nos quadrinhos. Quando nos encontrávamos para falarmos de música, filmes, quadrinhos e cultura pop em geral, lançava alguma ideia de roteiro. Eu caía como um patinho e contribuía com alguma coisa.

No encontro seguinte, ele trazia uma página e me enlaçava em mais um projeto seu. Foi assim que nasceu Draconian, construído ao longo de um bom tempo e regado a muita conversa sobre amenidades.

Sem que eu percebesse, fui aprendendo e me atualizando com Paulo sobre o mundo dos quadrinhos como um todo. Desde as ideias que nos perturbam, de como elas viram histórias até a distribuição e venda da HQ como produto final.

Draconian Draconian - Las Vegas

Essa experiência me pôs a transitar entre outras pessoas que produzem quadrinhos. Depois do lançamento do primeiro volume de Draconian, frequentando os eventos de quadrinhos, conhecemos muitas delas. Junto de Germana Viana e André Freitas, criamos um coletivo de quadrinhos: CBGiBi, nome genial sugerido pelo Paulo. Foi um momento muito especial para ele, que adorava os eventos, falar com os fãs e aquela concentração de artistas.

Paulo fez muitos trabalhos, dentre os que ele gostava de mencionar estão One, da A-List Comics; Vampires Unlimited, da Approbation Comics; The Chronicles of Lex vs Rex, da Alliance for Community Growth of Nevada e Marissa Jager is not a Witch, da TellTaleProductions.

A paixão que Paulo tinha pela Nona Arte era inspiradora. Ele narrava a mim com muita propriedade o que estava sendo lançado, fazia suas críticas e, a partir disso, produzia suas ideias. Conhecia muitos artistas dos quadrinhos, para não dizer todos, e tinha o desejo de ser reconhecido como parte desse universo. Nas últimas semanas, estávamos realizando o desfecho da campanha realizada com sucesso no Catarse: Draconian – Jus Solis, Jus Sanguinis. Foi seu último trabalho.

Minha companheira costuma dizer que minha relação com Paulo era um casamento... E era mesmo! Construímos uma história familiar muito bacana, fizemos muitos amigos e, desta parceria, ele deixa três filhos, dos quais me orgulho demais. Para os que sentirem saudade, é só folhear Draconian para relembrar suas músicas favoritas, seu sensível sarcasmo e seu talento.

Marissa Jager is not a Witch Draconian – Jus Solis, Jus Sanguinis

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