Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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100%

1 dezembro 2006

Título: 100% Opera Graphica - Edição especial
Autores: Paul Pope (roteiro, desenhos e retículas), John Workman (retículas).

Preço: R$ 49,00

Número de páginas: 240

Data de lançamento: Março de 2006

Sinopse: Em uma Nova York futurista, as grandes novidades são a Dança e a Luta gástricas, nas quais os órgãos internos de seus participantes são projetados para a platéia em hologramas. O rosto de Che Guevara estampa as notas de dinheiro do Banco Mundial, os bares possuem cabines capazes de simular qualquer ambiente imaginável e a cidade vive constantemente sitiada pela polícia por conta da violência.

Neste contexto, seis pessoas procuram realizar seus sonhos, seja com os punhos, a arte ou o amor. 100% narra as histórias de: Daisy, uma dançarina de boate; John, um lavador de pratos; Strel, uma gerente de dança; Haitous um boxeador; Kim, uma bargirl; e Eloy, um segurança com aspirações artísticas.

Positivo/Negativo: Em um ano tão repleto de bons lançamentos, a Opera Graphica publica o material de um autor pouco conhecido por aqui em um álbum caríssimo e com o pretensioso título de obra-prima estampado na capa. Felizmente, a qualidade do trabalho faz jus ao tratamento de luxo e vale cada centavo gasto.

A história se passa em um cenário de ficção científica e, como todo trabalho do gênero, reflete as preocupações em relação ao futuro. Os temas abordados são: segurança, violência, sexualidade, erotismo, tecnologia, arte e, acima de tudo, os relacionamentos humanos.

A cidade vive uma paranóia por conta de assassinatos e atentados terroristas. A polícia vigia as ruas em planadores que se assemelham a tubarões. Um artista luta para não ter sua arte engolida pelos poderosos do capitalismo. O medo de Kim, que a leva a comprar uma arma para se sentir segura, e a preocupação de Eloy com a autenticidade de sua arte soam mais atuais que nunca.

Um dos momentos mais inspirados é a abordagem sobre a evolução do erotismo. Antes bastava mostrar um pouco de pele para ser erótico, um simples relance de tornozelo era suficiente. Depois, tudo ficou cada vez mais escancarado. Agora, se chega ao ponto de mostrar as entranhas de uma pessoa para poder excitar o público. É a chamada dança gástrica, a grande novidade... até a próxima semana! É a efemeridade do consumismo.

Contudo, as três histórias poderiam acontecer em qualquer outro lugar ou época, o cenário futurista entra para enriquecer e tornar tudo ainda mais interessante. São os dramas, medos e aspirações dos seis personagens quem comandam as ações. O próprio título do álbum vem disso, são histórias 100% reais, que falam de viver intensamente.

Reais pela caracterização dos personagens, pelos diálogos naturalistas e até por serem baseadas em fatos das vidas do próprio autor, seus parentes e amigos. 100 % está muito mais para um romance do que para uma ficção científica. E dos bons: envolvente, honesto e longe dos clichês do gênero.

Paul Pope vem se tornando um dos principais nomes do quadrinho alternativo norte-americano. Seu trabalho segue uma grande escola chamada Jack Kirby, mas também bebe da estética "suja" e crua do punk-rock. Além disso, tem uma fortíssima influência dos quadrinhos japoneses, fruto de cinco anos de trabalho para a editora Kodansha.

O autor assimilou como poucos o uso da narrativa fragmentada e onomatopéias desenhadas à mão totalmente integradas com a arte. O fato de esta obra ser em preto-e-branco e o uso de retículas a aproximam ainda mais do mangá. Entretanto, trata-se mais de uma busca por um anacronismo do que influência direta do quadrinho japonês.

A influência da narrativa oriental cai como uma luva de veludo para imergir o leitor nas emoções dos personagens e no universo fictício apresentado. Não fosse isso, dificilmente algumas cenas funcionariam tão bem. No momento em que Eloy apresenta sua sinfonia de chaleiras, quase se pode ouvi-las junto com Kim e Strel.

A edição da Opera Graphica é caprichada: miolo em papel couché, capa dura e um belo projeto gráfico. A capa, uma ampliação da cena em que John e Daisy se beijam sobre um fundo rosa, ficou ainda mais bela e impactante que a original.

No entanto, há alguns defeitos: alguns balões próximos às bordas das páginas acabaram sendo cortados (o texto ao menos escapou); erros de português; algumas traduções que poderiam ter sido mais bem elaboradas; páginas sem numeração; e um expediente sem muitas informações sobre a publicação.

Fora esses pequenos problemas e o preço salgado, 100% é, nas palavras de uma de suas personagens, "alguma coisa maravilhosa" digna de figurar na estante dos amantes em geral.

 

Classificação:

4,0

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