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A FORÇA DA VIDA

1 dezembro 2008


Autor: Will Eisner (texto e arte).

Preço: R$ 38,00

Número de páginas: 144

Data de lançamento: Fevereiro de 2008

Sinopse: Nos anos de 1930, Nova York ficou devastada. Eram as conseqüências da Grande Depressão causada pela queda da Bolsa de Valores em 1929. De um dia para o outro, norte-americanos empobrecidos passaram a se mesclar com imigrantes judeus, irlandeses, italianos...

É nesse cenário que Will Eisner volta à Avenida Dropsie para contar histórias de gente comum, pessoas que se cruzam nos arredores, como Jacob, um marceneiro desempregado, Elton Shaftsbury, um financista falido, e Frieda, uma judia alemã refugiada do nazismo.

Positivo/Negativo: A simples menção do nome de Will Eisner já diz muito sobre A força da vida. O judeu nova-iorquino é uma figura central dos quadrinhos mundiais. Ao longo de sua vida, revolucionou a linguagem das HQs pelo menos três vezes: com Spirit, com seus dois livros teóricos e ainda com a linhagem de graphic novels iniciada por Um contrato com Deus, a qual este lançamento da Devir se filia. Ficou tão importante que batizou, ainda em vida, o principal prêmio da indústria dos quadrinhos norte-americanos: o Eisner.

Eis um motivo, mas não o único, pelo qual havia uma grande expectativa em torno do álbum. O fato de ser um Eisner inédito no Brasil, relacionado diretamente com uma obra-prima do porte de Um contrato, também há de ser levado em consideração. Soma-se a tudo isso o bom trabalho que a Devir vem dedicando ao quinhão que lhe cabe da obra do autor - cuja publicação por aqui é dividida com outra casa competente, a Companhia das Letras.

Apesar de tudo, à luz de seu lançamento, A força da vida não corresponde ao que se espera. À primeira vista, pode-se especular que talvez seja porque dela se exija muito, por ser cria de quem é. Nisso, há certa razão: são poucos os títulos que resistem a uma comparação com os melhores Eisner. E, sendo coisa dele mesmo, o confronto é constante. E massacrante.

Uma análise mais detalhada, porém, vai revelar que a história tem, sim, pontos fracos.

Seu problema mais evidente é o roteiro truncado. Não vai ser algo que recém-chegados na obra de Eisner perceberão com facilidade. Perto de 99% dos quadrinhos que há por aí, a trama flui na boa. Mas, posto lado a lado com um Spirit de boa safra, os vaivens e as páginas com notícias e cartas empastelam o fluxo.

A situação chama ainda mais atenção porque é esta a área de excelência de seu autor: mesmo um argumento vazio dava caldo quando passava por sua prancheta.

A construção de personagens, também uma marca indelével do autor, por vezes parece apressada. Nem sempre, claro: Jacob, com seu monólogo ao lado de uma barata, é irretocável, bem como a mãe judia Rifka.

Já a exilada Frieda, que poderia formar um simpático triângulo amoroso, deixa a desejar. A falha em sua construção é gritante: em tempos de guerra, suas cartas surgem inesperadamente no meio da trama. Já seria ruim por si só um deus ex machina desse tamanho interrompendo a história, o suficiente para deixar o leitor com uma pulga atrás da orelha.

Para piorar o clima de desconfiança, Frieda dá motivo de sobras: é uma viúva desesperada para fugir de Hitler, que adia a viagem por causa da filha e do genro, que pede mais e mais dinheiro, que atrasa no embarque... Por páginas e páginas, a sensação é de que a velha namorada vai dar um golpe em seu salvador. Mas não é o que se vê: ela surge e até se envolve com Jacob.

A única pista de que Frieda manteria sua palavra é uma informação que não consta da HQ (e, portanto, rompe as regras da boa ficção): Eisner foi um judeu militante, e não seria do seu feitio usar o terror nazista para criar uma golpista. Diga-se de passagem, a defesa de seu povo atrapalhou também uma de suas últimas obras: O complô.

E, já que se está apontando os defeitos e que o trabalho da Devir já foi elogiado, sobra um comentário à edição nacional: há um bom punhado de pequenos erros de revisão. A maioria diz respeito ao mau uso de maiúsculas e minúsculas, mas também há vírgulas fora de lugar (inclusive separando o sujeito do verbo) e espaços duplos.

O bom de uma obra de Eisner é que há algumas qualidades pétreas, que sempre estão lá, mesmo quando a HQ em si perde no contraste com outras criações do autor. Uma delas, marca imbatível, é a arte assombrosa, belíssima, que a impressão com tinta marrom sobre papel pólen só melhora. O traço de Eisner tem volume, velocidade, peso e, nos seus melhores momentos, temperatura e cheiro.

A força da vida é uma obra menor de um autor maior. Mas Eisner é, e sempre será, maior. E esta também é sua salvação.

Classificação:

4,0

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