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ANTES DO INCAL # 2 - CROOT & ANARQUISTAS PSICÓTICOS

1 dezembro 2007


Título: ANTES DO INCAL # 2 - CROOT & ANARQUISTAS PSICÓTICOS
(Devir Livraria)
- Série de três volumes

Autores: Alejandro Jodorowsky (texto) e Zoran Janjetov (arte).

Preço: R$ 42,00

Número de páginas: 104

Data de lançamento: Novembro de 2007

Sinopse: John Difool está apaixonado por Luz de Garra, a Aristo que o contratou para guiá-la pela Cidade-Poço. Mas quando consegue se aproximar da moça, é traído.

Salvo por Kolbo-5 e Deepo, acaba descobrindo uma conspiração que o conduz à maternidade-Aristo.

Positivo/Negativo: O segundo volume de Antes do Incal foi lançado durante a programação do Festival Jodorowsky, realizado entre o fim de novembro e o começo de dezembro no Centro Cultural Banco do Brasil de três cidades: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

O evento teve participação do próprio Jodorowsky, que fez palestras sobre cinema e quadrinhos e uma leitura pública de tarô. Foi uma oportunidade ímpar para conhecer um autor que transita por diversas artes, como quadrinhos, cinema, teatro e literatura.

Mais do que isso, aliás: a obra de Jodorowsky conversa entre si. Há relações intrínsecas dentro dela. E é por isso que a oportunidade de ver filmes como Santa Sangre, A Montanha Sagrada e El Topo (para ficar nos três mais incensados) interfere na leitura de seus quadrinhos.

São longas-metragens, diga-se de passagem, raríssimos. Até pouco tempo, não havia versão em DVD (agora, importando, compra-se uma caixa, que por sinal tem legendas em "brazilian portuguese"). Só eram vistos em VHS piratas e nas concorridas exibições públicas, como as Raros da Sala PF Gastal, em Porto Alegre, ou as Sessões Comodoro, comandadas pelo cineasta Carlão Reichenbach em São Paulo.

Quem acompanhou o ciclo de filmes e as palestras nunca mais vai ler Incal e seus derivados do mesmo jeito. E daí a importância de inserir Antes do Incal no calendário do festival: o belíssimo trabalho da Devir, que tem pouco mais de um ano, se inseriu como o braço HQ da grande descoberta de Jodorowsky pelo Brasil. Se toda a obra do chileno conversa entre si, seus quadrinhos não poderiam se calar.

Para quem vem acompanhando as edições nacionais, Antes do Incal 2, naturalmente, é o primeiro álbum a ser lido sob à luz do festival.

Há, claro, coisas que não mudam: Incal continua sendo uma grande releitura da trajetória do Tolo (no caso, Difool) pelos arcanos maiores do tarô. O tema é recorrente em seus principais filmes, em especial A Montanha Sagrada (mas também no menos conhecido O Ladrão do Arco-Íris).

Antes do Incal, segunda parte do tríptico, é um perfil do Tolo. Não mostra uma busca universal e grandiosa, e sim um personagem tentando encontrar a si mesmo, descobrindo que é capaz de amar, mas também de ser traído. Perdido em suas emoções, John patina mais do que avança.

Ele ainda não é um ser grandioso - nem poderia, porque esse será o tema de Incal. Sua luta contra o sistema dos Aristos e da Cocoloco não é, portanto, política, como se poderia suspeitar inicialmente; e sim individual, contra tudo que o reprime, que não o deixa sequer ver que é miserável.

Pelo contrário, Antes do Incal já é uma obra grandiosa em si: combina ação com duas imaginações inventivas e poderosíssimas, que criam não só cenários fabulosos de ficção científica, mas também uma saga verdadeiramente humana.

É bem verdade que Janjetov não é Moebius, mas não faz mal: trata-se de outro grande artista, que vem evoluindo juntamente com Difool. É o que fica nítido quando se compara o começo da saga com o final deste volume, que já tem traços mais marcados, mesmo que ainda evoquem o mestre.

Editorialmente, o trabalho da Devir é louvável e meritório. Com mais de um ano de existência, antecipou-se mesmo à mostra do CCBB. Mas, desta vez, uma série de pequenos tropeços na revisão tira um pouco do brilho. Por exemplo: a frase "Eu te amo mais do que minha humanidade" está capenga (p. 12, o correto seria "mais do que à minha humanidade"), faltou o último "a" em "gostari" (p. 70) e escaparam um "mau humor" sem hífen e um "inte-0lecto" (p. 102, na entrevista de Jodorowsky).

Além disso, por todo o livro há termos específicos que foram traduzidos com hífen, como "tele-amigos" e "bio-matéria", quando o bom uso da língua portuguesa grafaria como "teleamigos" e "biomatéria". Pode ser meramente uma opção do tradutor, mas o motivo da escolha não fica claro.

Os erros são uma pena, sim, mas os percalços não tiram a importância nem a grandiosidade da obra de Jodorowsky. Com a redescoberta do autor provocada pelo festival, é natural que Incal e seus derivados entrem na onda. E, quando isso acontecer, o projeto da Devir há de ser consagrado com a importância que lhe é devida.

Classificação:

4,0

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