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Aokigahara

22 maio 2015

AokigaharaEditora: independente – Edição especial

Autores: André Turtelli Poles (roteiro) e Renato Quirino (arte).

Preço: R$ 20,00

Número de páginas: 32

Data de lançamento: Março de 2015

Sinopse

Dois jovens empreendem uma jornada no silencioso interior de uma antiga floresta aos pés do Monte Fuji, no Japão. O objetivo de ambos: tirar a própria vida.

Positivo/Negativo

No Japão, mais precisamente no entorno do mais famoso vulcão adormecido adornado por uma coroa de neve do país, o Fuji, existe uma densa e silenciosa floresta com 35 km² de vegetação nativa, onde se encontra o destino final de um número muito elevado de pessoas com tendências suicidas.

Além de ossadas, pode-se encontrar muito em Aokigahara resquícios de acampamentos, objetos, epitáfios e longas cordas ou sinais que indiquem onde estará o corpo de quem resolveu tirar a vida, mas que deseja um funeral fora dos limites da chamada “floresta dos suicidas”.

Nesse cenário, a dupla André Turtelli Poles e Renato Quirino resolveu fazer sua estreia nos quadrinhos, com uma história enxuta, sucinta, direta e – o mais importante – que funciona.

Ambientando-a em terras nipônicas, os autores acertam a mão justamente no âmago em que está enraizada tal cultura há séculos.

Não é desconhecida, por exemplo, a prática do harakiri ou seppuku dos samurais, uma maneira de demonstrar lealdade ao seu senhor tirando a própria vida, ou as investidas suicidas dos pilotos kamikazes que, durante a Segunda Guerra Mundial, mergulhavam o próprio avião contra os navios inimigos.

Além disso, a doutrina budista, predominante no Japão, relaciona a morte não como uma tragédia, mas como uma parte natural do ciclo da existência.

Com esse quadro doutrinário, aliado às pressões sociais, problemas econômicos e psicológicos, a chamada “morte voluntária” a cada ano tem sua seta apontada mais para cima nos balanços estatísticos. E Aokigahara é um exemplo dos índices altíssimos da cultura do suicídio no país.

Tanto que a placa de aviso na entrada da floresta retratada na abertura do álbum existe. Infelizmente, pela curiosidade do leitor que não sabe decodificar os ideogramas japoneses, os autores não traduziram o que está nela. Uma nota de rodapé ou um glossário no final seria muito bem-vindo e enriqueceria mais o tom documental da ficção, sem querer ser didático.

Inicialmente, o que chama a atenção em Aokigahara é a bela, pontilhada e detalhista arte de Quirino. Seu traço se mostra eficiente para a climatização solitária e silenciosa da floresta, casando-se perfeitamente com a econômica e precisa narração de Turtelli.

Nas poucas páginas da HQ, há momentos bem interessantes nessa simplificada narrativa, como a utilização apenas de porta-retratos para nortear o leitor em saber um pouco mais sobre a garota com pensamentos suicidas.

Para a caracterização dos personagens, a estilização remete tanto aos mangás (sem os exageros habituais nas expressões) quanto ao lado mais underground (a capa lembra o “Keep on Truckin'”, de Robert Crumb).

Houve apenas uma desatenção do desenhista no final da página 20, quando ele retratou a direção do carro do protagonista do lado esquerdo, como os veículos ocidentais.

O grande trunfo que faz as duas histórias paralelas de Aokigahara funcionar reside na simplicidade da sua estrutura narrativa, que aproveita com muita inteligência os cortes cronológicos.

Produto de um bem-sucedido projeto na plataforma de financiamento coletivo na internet, o álbum independente tem formato 18 x 25,5 cm, capa em papel cartão sem orelhas e boa impressão em um papel couché de alta gramatura.

Uma estreia com o pé direito, que demonstra para muitos quadrinhistas nacionais que é preciso ter um enredo competente, boa estruturação e – o mais difícil de tudo – simplicidade para se “parir” uma HQ bem acima da média, sem cometer logo de cara um “suicídio artístico”.

Classificação

4,0

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