Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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CARAÍBA

1 dezembro 2008


Autores: Flavio Colin (texto e arte).

Preço: R$ 32,90

Número de páginas: 128

Data de lançamento: Outubro de 2007

Sinopse: Caraíba é um caçador que atua na Amazônia: captura animais vivos para traficantes, vende peles e não tem problema nenhum em devastar a floresta. Mas isso só dura até o dia em que ele encontra o Curupira e induz o pequeno ser mágico ao suicídio.

Com a morte do endiabrado, Caraíba fica panema, ou seja, amaldiçoado para caça e pesca. Então, é forçado a se redimir, tornando-se um defensor da natureza.

Positivo/Negativo: É apenas por deficiência, por termos um mercado de HQs pequeno, pobre e viciado, que Flavio Colin é louvado pelos fãs do gênero. Fosse o Brasil sério, capaz de olhar de fato para o melhor que tem dentro de si, ele seria considerado maciçamente um gênio das artes gráficas nacionais. Mais que isso: seria levado também para o exterior, teria seu trabalho exibido, como forma de valorizar não só o artista, mas o próprio país.

Mas essa história de louvores e aclamações públicas só pode ser contada no condicional. É uma pena. Faltaram muitos "ses" para que Colin fosse uma grande estrela das HQs. Talvez em sua vida tenha tido apenas uma certeza: a de que seu talento era muito maior do que as condições do entorno davam a entender.

Colin é um esteta, um estilista de mancheia, dono de um traço único e profundamente brasileiro ao evocar a xilogravura. Caraíba é uma prova disso. E, a rigor, uma prova às avessas, pois em alguns momentos chega até mesmo a depor contra o seu criador.

O fato é que a obra tem, sim, um problema de roteiro, e não é nada sutil. O ponto em questão é que o protagonista deixa de ser um devastador da Amazônia para se tornar defensor por conta de uma maldição. Mas, em momento algum, ele tem a epifania de que proteger a natureza é uma causa suficiente em si mesma.

Quando se declara ecologista, surpreende até o leitor - e com razão. Até pouco tempo antes, ele era apenas um sujeito que enfrentava os exploradores da floresta por um motivo bem egoísta: livrar-se da panema.

A rigor, sem a percepção de que estava errado, Caraíba é um homem que foi tolhido de sua própria vida. Ele vivia num ambiente em que a devastação não é exceção, e sim a regra que move o cotidiano. A degradação está nos olhos de quem vê, não de quem, desinformado, destrói pela própria subsistência.

E, mesmo tendo seu estilo de vida arrancado de si, sem saber como vai comer e sustentar a namorada, o bandido logo se torna um herói altruísta, que luta por um bem que não teve a chance de compreender.

Apesar do deslize na construção do texto, que deixa o leitor com a pulga atrás da orelha, a leitura ainda consegue ser gostosa. Claro que, a essas alturas, o roteiro já deixou de ser uma obra-prima, pois o protagonista tem lá suas deformações congênitas. Mas as duas aventuras maiores são ágeis, ricas de mitologia brasileira e têm, de quebra, outros personagens interessantes, como o gringo explorador Mr. Ted.

Há ainda, como atrativo central da obra, a arte de Colin. Aqui, ela é grandiosa, majestosa, dá conta de refazer uma Amazônia inteira a partir do olhar de seu criador. O painel da página 18 é tão, mas tão brilhante que funciona sozinho. E é mais que apenas o show de virtuosismo com simplicidade - é uma belíssima sacada narrativa, que serve para dar dimensão à praga que grudou no protagonista.

A edição da Desiderata é um espetáculo. Cuidadosa, bonita, com dois belos extras: uma auto-apresentação de Colin escrita em primeira pessoa e uma rápida análise do material artístico que serviu de base para a edição feita pelo diretor de arte da casa, o também quadrinhista Odyr. Lá, está uma página original da arte de Caraíba, confusa, caótica, tão bagunçada quanto o traço de Colin é limpo na arte-final.

Por curiosidade, o leitor pode ver outros esboços de Caraíba numa antiga galeria virtual publicada aqui no Universo HQ.

Classificação:

4,0

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