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Cumbe

26 setembro 2014

CumbeEditora: Veneta – Edição especial

Autor: Marcelo D’Salete (roteiro e arte).

Preço:R$ 29,90

Número de páginas: 176

Data de lançamento: Agosto de 2014

Sinopse

Quatro histórias sobre esperança e resistência dos escravos durante o período colonial brasileiro.

Positivo/Negativo

O período escravagista brasileiro é ensinado nas escolas antes que as crianças atinjam um grau de maturidade que lhes possibilite compreender o peso histórico e dimensionar o horror que foi essa fase.

É comum, inclusive, perceber no sistema educacional não apenas a abordagem superficial do tema, mas a insistência em canonizar meias-verdades. Afinal, para muitos, os quilombos ainda correspondem a casinhas de palha no meio do mato, onde os escravos se refugiavam, quando, na verdade, eram uma estruturas enormes, quase cidades, que subsistiam de modo autossuficiente.

Foi um período de mais de 300 anos de dor, duração vergonhosa, especialmente quando se leva em conta a idade do nosso país.

E é esse o tema escolhido pelo Marcelo D’Salete em Cumbe, lançado pela Veneta, com quatro histórias que abordam as formas de resistência dos escravos durante o período colonial.

D’Salete, que tem no seu currículo os ótimos Noite Luz (Via Lettera) e Encruzilhada (Leya / Barba Negra), já tem como característica não se acanhar na hora de mostrar o lado feio da sociedade.

Em Cumbe, fora o fato de retratar um período que já é em seu próprio contexto encharcado de violência e injustiça, o autor dispensa o macro (abordado nas escolas) e parte para o micro, no qual retrata histórias de personagens específicos, suas dores e atos de oposição.

Não é, de modo algum, um trabalho panfletário ou didático, mas uma obra dramática e forte que, conforme mencionado na orelha do livro, amplia e aproxima a visão do leitor sobre o passado.

Apesar da violência e da aptidão do autor para contar histórias que são verdadeiros tapas na consciência social, D’Salete encontra espaço para concluir todas as histórias de forma poética e até esperançosa. Algumas terminam de forma surrealista, e conferem ao livro belíssimos momentos oníricos.

Os poucos textos são outra característica importante de Cumbe. Isso pode ou não ter sido uma opção proposital do autor, porém, independentemente disso, sublinha o clima opressivo e o silêncio que circulavam os escravos, impossibilitados, durante muito tempo, de possuírem uma voz.

O traço sujo e artístico do autor mais uma vez ambienta a atmosfera agressiva do contexto da obra, e o expressionismo dos desenhos crava as densas imagens em preto e branco nos olhos do leitor.

Um ponto que muitas vezes atrapalha uma obra nacional é a forma da linguagem verbal. HQs em que as falas não são escritas da forma como alguém as pronunciaria, o que se faz mais evidente ainda em histórias regionais e históricas.

Para exemplificar: quando um personagem diz “Agora será diferente” seria ainda mais crível que a frase fosse “Agora vai ser diferente”. Essa escolha por um português quase completamente correto acontece em alguns momentos do livro, mas, felizmente, não fere a obra ou sua leitura, e talvez tenha sido a opção do autor.

Todavia, vale sempre prestar atenção nessa forma estética do vocabulário, que pode prover à obra um tom ainda mais verossímil.

Cheio de termos de origem africana, o álbum possui um glossário ao final e uma bibliografia da pesquisa do autor, muito bem-vinda, por sinal.

A palavra Cumbe tem vários significados, porém, possivelmente os que se fazem mais importantes são os que representam luz, força e sol. A obra já nasceu como um clássico obrigatório dos quadrinhos nacionais, cheia de dor, revolta, complexidade e beleza poética.

Classificação

5,0

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