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Duas vidas

16 dezembro 2019

Duas VidasEditora: Nemo – Edição especial

Autores: Fabien Toulmé (roteiro e desenhos) e Valérie Sierro (cores) – Originalmente em Les Deux Vies de Baudouin (tradução de Fernando Scheibe).

Preço: R$ 59,80

Número de páginas: 272

Data de lançamento: Julho de 2018

Sinopse

Baudouin vive um cotidiano sem graça até que, após um exame, descobre que está com câncer. Ele então aceita o convite de seu irmão, que trabalha como médico na África, para viver seus últimos dias de maneira diferente.

Positivo/Negativo

"Você tem duas vidas. A segunda começa quando você descobre que só tem uma". Essa epígrafe que cita uma frase do filósofo chinês Confúcio, do Século 5 a.C., abre o álbum do francês Fabien Toulmé, e deixa bastante claro o tema da história que virá pela frente.

Mas o título nacional do bem cuidado álbum (com orelhas e detalhes em verniz na capa) acaba permitindo outras aplicações. No começo, o autor estabelece um contraste entre a vidas dos dois irmãos, Baudouin e Luc. Começa pelo primeiro e seu cotidiano aborrecido, do apartamento onde sua única companhia é um gato até o trabalho chatíssimo como advogado num escritório, piorado pela presença de um péssimo chefe.

Quando Luc aparece e os dois almoçam juntos, Toulmé expõe na conversa que se segue a vida de um e de outro, os prós e contras de cada uma. A de Baudouin é chata, mas oferece segurança. A de Luc tem uma parcela de aventura e romantismo, mas o trabalho não dá muito dinheiro.

Assim, o título nacional poderia se referir a essas duas vidas contrastantes. Baudouin, no entanto, é o protagonista e fica claro que, mesmo defendendo a vida que leva, ele gostaria de viver outra,

A HQ é eloquente nisso, em mostrar por imagens o que o personagem nega em seu discurso. Nas primeiras páginas, Baudouin é acordado pelo rádio, que toca uma música dos Rolling Stones. A narrativa parte dessa cena cotidiana para logo ir além dela: mesmo fora de casa, quando ele já não a está mais ouvindo, a canção o acompanha, quadrinho a quadrinho, no trajeto até o trabalho.

Cada quadrinho nessa sequência é dividido: os dois terços de baixo mostram o cotidiano banal do personagem; a terça parte de cima é o rock que, de alguma forma, está sempre presente na vida dele.

Ainda nesse primeiro capítulo, ele se deixa levar por um músico no metrô e vê-se, literalmente, sua alma voar.

Mas em sua quase totalidade, a narrativa de Fabien Toulmé é marcada por um ritmo cadenciado, sem a mínima pressa, desenvolvendo cada cena com o número de páginas e quadros que ela precisa. Vai totalmente na contramão de uma série de histórias em quadrinhos atuais que resumem situações inteiras em um quadro e um recordatório, no qual o desenho muitas vezes é apenas acessório ilustrativo para o texto.

Aqui, a narrativa se dá principalmente pelo desenho. Prova disso é que quase não há recordatórios em Duas Vidas. Toulmé se esforça para inserir as explicações necessárias sempre dentro da narrativa. Ele não usa textos elucidativos nem mesmo para situar o leitor nos flashbacks, em tons amarelados, que vão entrecortando a trama principal.

Cada capítulo de flashback é aberto por uma fotografia que imediatamente mostra em que ponto da vida estão os dois irmãos. Embora haja quase sempre um rigor na disposição de quadros, na maioria da vezes do mesmo tamanho nas fileiras de dois ou de três, há momentos pontuais em que o autor escapa dessa programação rígida.

Como se fosse uma metáfora da vida regrada e rotineira de Baudoin ficando meio bagunçada.

Um momento determinante nesse sentido é a página dupla no mercado em Benin, quando Baudoin já está na África com o irmão. Para retratar a intensidade das muitas coisas acontecendo e o impacto disso no protagonista, Toulmé tira as bordas dos quadros e insere alguns menores dentro do quadro maior.

Em Benin, aliás, a história ganha outro ritmo, e acelera. É a urgência de Baudoin em viver muito o pouco tempo que lhe resta. A música, as cores e a sensualidade se mostram muito mais presentes, direta e indiretamente.

A inclusão de um personagem brasileiro na segunda metade do álbum é uma piscadela para a relação próxima do autor com o nosso país – ele viveu em João Pessoa, na Paraíba.

Os traços aparentemente simples não buscam um excesso de realismo, mas são expressivos, delicados e ricos em detalhes. E, melhor do que tudo, possuem uma capacidade de comunicação admirável.

Classificação:

5,0

.

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