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Hoje é o último dia do resto da sua vida

27 novembro 2015

Hoje é o último dia do resto da sua vidaEditora: WMF Martins Fontes – Edição especial

Autora: Ulli Lust (roteiro e arte) – Originalmente publicado em Heute ist der letzte tag vom rest deines lebens (tradução de Augusto Paim).

Preço: R$ 79,90

Número de páginas: 464

Data de lançamento: Outubro de 2015

Sinopse

Ulli Lust e a sua nova melhor amiga, Edi, fizeram uma viagem clandestina da Áustria para a Sicília, na Itália, em 1984.

Uma história com sexo, drogas e também rock'n'roll. E passagens pela cadeia, tempo ruim, mendicância, lições de vida, novas amizades, abusos, atos de generosidade e traição.

Chagando à Sicília, alguns desentendimentos com a organização “cujo nome você não deve mencionar” aumentam mais a tensão da jornada.

Positivo/Negativo

Volumoso, com um pouco mais de 460 páginas, Hoje é o último dia do resto da sua vida mostra um recorte do começo da vida da própria autora, uma punk de carteirinha na década de 1980.

Aos 17 anos, a austríaca conhece uma garota e, por afeição à primeira vista, parte com a “amiga” ninfomaníaca para uma aventura saindo de Viena para cruzar a Itália, com uma diminuta muda de roupas, um saco de dormir, poucos centavos no bolso e sem passaportes.

O álbum faz um registro de como era a cena underground austríaca, apoiando a individualidade e a independência do “faça você mesmo”. Uma contextualização válida para justificar os propósitos das duas garotas colocarem o pé na estrada, literalmente.

As curiosidades sobre o comportamento e a mendicância são algumas das marcações no mapeamento do país em forma de bota. O leitor conhece lugares como Verona, Roma, Nápoles e Sicília entre junkies, pintores de rua, pés-rapados e mafiosos.

No auge da revolução sexual, as personagens não têm pudores para descolar um “patrocínio” da viagem vendendo o corpo ou transar sem compromisso. No entanto, o “amor livre” também tem seus dois lados.

Se por um lado existem os relacionamentos interpessoais menos conservadores, por outro há o machismo e o sexismo de uma sociedade que coloca a mulher como objeto. Uma visão que não mudou tanto nos dias atuais, infelizmente, mas que serve como alerta para assuntos como abuso sexual e preconceitos.

Inexperiente e com o peito aberto, a protagonista passa por maus bocados um atrás do outro, ora pela visão limitada dos demais – o preço do seu estilo de vida adotado –, ora pelas decisões erradas que Lust toma para nortear sua viagem.

Exemplificando como nem tudo é “preto no branco” na vida, uma passagem merece ser mencionada sobre sua complexidade. Quando é estuprada, a solitária autora passa por várias fases, desde a raiva, passando pelo medo (um sentimento que vai persegui-la pelo resto do álbum), pelas dúvidas, conformidades e ilusões decorrentes do trauma.

Com momentos tragicômicos, passagens tensas e uma honestidade desconcertante, a autobiografia não levanta bandeiras e nem é panfletária sobre os direitos igualitários das mulheres. Simplesmente, a obra convida para uma reflexão de forma natural e sem pressões.

São revelações de apenas dois meses da vida da autora; semanas transformadoras que moldaram a artista, outrora carregando toda a sua ingenuidade bruta, típica de quem está amadurecendo e que ganha forma com as patadas discriminatórias de uma sociedade conservadora.

A quadrinhista mistura anotações, cartas e fotos (principalmente nos primeiros capítulos) com uma arte caricatural, mas com muita personalidade. Constantemente, Lust brinca com metalinguagens para enfatizar seus sentimentos e estado mental.

Em 2014, a obra foi indicada ao Eisner Award na categoria de Melhor Não-Ficção, perdendo para O Quinto Beatle - A historia de Brian Epstein. Dentre as conquistas, o álbum arrematou o Prêmio Revelação do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, em 2011, e o Ignatz Award de Melhor Graphic Novel, em 2013.

Apesar de já ter sido tema de exposição em Curitiba com suas HQs documentais e participar do Rio Comicon, eventos de 2011, este é o primeiro trabalho da austríaca publicado no Brasil. Seus quadrinhos também podem ser vistos no site Electrocomics.

O calhamaço da WMF Martins Fontes tem formato 16,9 x 23 cm, capa cartonada (sem orelhas), papel pólen de boa gramatura e impressão, além de uma pequena biografia da autora e seção de extras que inclui um glossário explicando alguns fatos históricos e curiosidades.

Hoje é o último dia do resto da sua vida traz à tona várias discussões pertinentes de um mundo tão caótico quanto os cabelos desgrenhados que inundam a capa da publicação, encarando o leitor sem piscar com os vidrados e tétricos olhos marcados a lápis.

É a união do “viva-sua-vida-como-se-fosse-o-último-dia” e do “faça-você-mesmo” que resulta numa HQ biográfica que prende a atenção.

Classificação

4,5

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