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Me & Devil

11 abril 2014

Me & DevilEditora: Independente – Edição especial

Autor: Alcimar Frazão (roteiro e desenhos)

Preço: R$ 25,00

Número de páginas: 40

Data de lançamento: Novembro de 2013

Sinopse

Uma biografia ficcional livremente inspirada na vida do bluesman norte-americano Robert Johnson (2011-1938).

Positivo/Negativo

Não só algodão regado por sangue e suor dos escravos era colhido no delta do Mississipi, nos Estados Unidos. A música também brotava naquela região, com as chamadas work songs que posteriormente passaram a ser instrumentalizadas.

O blues exerceu uma enorme influência na música mundial, sendo fonte que foi “bebida” de vertentes como o jazz, o rock’n’roll e até a nossa bossa nova.

Dentre as várias lendas da musicalidade norte-americana, Robert Johnson, o homem dos 12 compassos do blues, ocupa um lugar especial no panteão, não só pela sua sonoridade melancólica em um país pós-Depressão, como também pelos motivos que o transformaram numa figura mítica.

Como todo mito que se preze, os rumores fantásticos ao redor de Johnson são lembrados até hoje. O mais conhecido deles é usado por Alcimar Frazão nesta edição: a venda da sua alma ao Diabo na encruzilhada das rodovias 61 e 49, em Clarksdale, Mississipi.

Reza a lenda que o tinhoso apareceu, tomou o violão surrado de sua mão, o afinou em um tom abaixo e o entregou firmando o pacto faustiano.

O quadrinhista acerta o tom quando paradoxalmente escolhe seguir uma narrativa “silenciosa”, sem o auxílio de textos, balões ou onomatopeias. Para quem conhece o blues de raiz do personagem principal, é fácil “apertar o play” na mente acompanhando o conto silencioso de Frazão com tal trilha sonora.

Em cada leitura, a condução “inaudível” do autor na breve narrativa torna passível de novas interpretações e descobertas.

Usando simbolismos presente em cruzes invertidas pela perspectiva ou figuras macabras de animais – corvos, cachorros, cabras, ratos etc. –, elementos comuns da cultura mágica do Sul dos Estados Unidos, Frazão conduz seu blues gráfico mostrando as mazelas do drama humano nascido da dor.

Um sofrimento que pode ser enraizado na morte, na violência doméstica e sexual, no preconceito ou até na figura do padrasto do jovem Robert Johnson, uma representação da instrumentação da banalidade do mal.

Em determinado momento, antes de o garoto ser enxotado do bar por querer tocar, o padrasto perambula munido de seu uísque barato atrás de uma trinca de grandes lendas: Son House, que espalharia o boato de que Johnson teria vendido a alma ao Diabo; Charley Patton, o “pai do delta blues”; e Willie Brown (este último toca na penumbra, já que não se tem registro fotográfico dele), cujo nome seria citado em uma das famosas letras de Johnson, Cross road blues.

O compasso fundamental para o concerto de Frazão é o estilo de sua arte. Cheia de hachuras e bem definida na predominância do preto, outro acerto editorial do quadrinhista foi imprimir o miolo de Me & Devil em papel pólen, evidenciando mais a melancolia de seus desenhos e a morbidez de olhos sem alma.

Com dinamismo e bom domínio do claro-escuro, toda a carga dramática é esviscerada na crueza e aspereza do seu traço pesado.

Complementando a edição, uma história curta que serve de “faixa bônus”, remetendo a outro mistério rezado no Mississipi: a morte de Johnson. Um dos boatos era que o músico teria saído desesperadamente em meio a uma apresentação rotineira no bar, sendo perseguido por cães e sendo encontrado morto com chagas profundas de mordidas.

Uma obra que deve ser lida e relida ao som da trilha sonora que lhe rendeu ao homenageado o status e qualidade de mito. Ouça pérolas que edificaram tanto a lenda quanto a obra, a exemplo de Cross road blues, Me and the Devil blues e Hellhound on my trail.

Para quem ainda não conhece a obra do músico norte-americano ou quer aprofundar o seu conhecimento a respeito do artista, existe um portal na internet (em inglês) chamado Robert Johnson Blues Foundation. Lá podem ser acessadas letras, canções e textos acerca de uma das maiores lendas da música mundial.

Apreciando o som do bluesman, o leitor perceberá que Alcimar Frazão tocou com maestria um belo e melancólico tributo com seu Me & Devil.

Classificação

4,0

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