Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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O CORTIÇO

2 agosto 2009

Autores: Ivan Jaf (roteiro) e Rodrigo Rosa (arte), adaptando a obra de Aluísio de Azevedo.

Preço: R$ 22,90

Número de páginas: 80

Data de lançamento: Setembro de 2009

Sinopse: No Rio de Janeiro do século 19, João Romão, um canalha de marca maior, depois de se tornar dono de uma taverna, coloca na cabeça o sonho de enriquecer.

Para isso, começa a aumentar sua propriedade com o propósito de montar um cortiço.

Com o tempo, a habitação coletiva cresce e pessoas de baixa renda de todos os estilos vão se amontoando. Com a superpopulação, claro, vêm as brigas, as "puladas de cerca" dos maridos, as fofocas dos vizinhos e muito mais.

Positivo/Negativo: Nos últimos três anos, adaptar obras literárias para histórias em quadrinhos tem se tornado um interessante filão para os artistas nacionais. Só O Alienista, de Machado de Assis, por exemplo, ganhou quatro versões: a de Fábio Moon e Gabriel Bá, pela Agir; a de Luiz Antonio Aguiar e César Lobo, pela Ática; a de Laílson de Holanda Cavalcanti, pela Companhia Editora Nacional; e a de Francisco S. Vilachã, pela Escala Educacional.

O CORTIÇOE
há outras, como os recentes Jubiabá,
de Spacca, e O
Guarani
, de Ivan Jaf e Luiz Gê. Sem contar os vários títulos adaptados
pela Companhia Editora Nacional e a Escala Educacional.
É evidente que o potencial dessas obras para serem adotadas em planos governamentais de incentivo à leitura é a grande mola propulsora desse movimento - e uma excelente oportunidade de trabalho para autores brasileiros.

Só que, como em qualquer outro gênero de quadrinhos, há boas e más adaptações. Este O cortiço pertence, com sobras, ao primeiro time.

Ivan Jaf, que já fizera um belo trabalho em O Guarani, repete a dose ao levar para os quadrinhos a obra mais importante de Aluísio de Azevedo. Ele, que começou a carreira escrevendo histórias de terror para a extinta Vecchi e tem no currículo colaborações para a revista italiana Skorpio, em parceria com o mestre argentino Solano Lopez (de El Eternauta), dá à leitura um ritmo gostoso, fluido, resumindo, mas não desrespeitando o conteúdo da obra original.

Assim como no livro escrito em 1890, os personagens têm características marcantes, mas ganharam ares de atualidade, mesmo com a história se passando no século 19. Miranda (o vizinho rico do cortiço), a bela mulata Rita, por quem o português Jerônimo se engraça, para desespero de sua esposa Piedade; Pombinha, a moça virginal que acaba levada para "a vida" por uma madame, e a negra Bertoleza, com quem o mau caráter João Romão é amigado. Todos têm seu momento de destaque na adaptação.

E isso se deve também à arte do gaúcho Rodrigo Rosa. Adepto do "menos é mais", ele resume grandes trechos de texto em apenas alguns quadros com uma narrativa competente e desenhos muito expressivos. Nas cenas de briga no cortiço, por exemplo, é quase possível ver os "movimentos" dos personagens.

Vale destacar o trabalho do desenhista na dosagem do ritmo da trama, variando bastante a diagramação, e na colorização - a aposta numa paleta de cores mais sóbrias mostra-se acertadíssima para a obra.

Enfim, os autores, que inclusive visitaram locações no Rio de Janeiro para dar mais verossimilhança ao álbum, fizeram uma bela parceria. E, na contramão do que este resenhista escreveu recentemente no Beco das HQs, felizmente, tiveram a participação efetiva de Fabricio Waltrick e Emílio Satoshi Hamaya como editores de quadrinhos.

Isso é notado nas páginas finais do livro, que trazem um "making of educativo" (nitidamente voltado para alunos de escolas), no qual são repetidas várias cenas que trazem elementos marcantes da época em que se passa a história.

Aliás, este making of revela detalhes enriquecedores do trabalho de Rodrigo Rosa, como o fato de ter incluído em determinados quadrinhos figuras como Aluísio Azevedo, Machado de Assis, Rui Barbosa e Angelo Agostini, ladeado dos autores desta adaptação. Também merece nota a cena em que um personagem lê O cortiço com uma capa feita pelo desenhista no estilo das publicações da época (veja ao lado).

Editorialmente, apenas um deslize: na página 77 houve um erro na composição do texto (falta de acentos e letras), que foi prontamente corrigido - e com muito bom humor - pela Ática, que imprimiu uma folha de errata com o trecho corrigido e os personagens "apavorados" com o equívoco. Bela sacada.

Por fim, para o leitor habitual de HQs, pode soar estranho o didatismo de algumas frases nas páginas editoriais, mas a razão é óbvia: o público em que a Ática aposta é outro, bem mais amplo e que não é conhecedor dos meandros das histórias em quadrinhos. Tanto que o livro vem com um "extra": um suplemento de leitura com exercícios para serem aplicados em sala de aula.

Por isso, não estranhe se vir, em breve, este O cortiço sendo adotado em escolas. Fica apenas a torcida para que os selecionadores saibam para que faixa etária indicar a obra...

 

Classificação:

4,0

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