Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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O FABULOSO MUNDO DE KRYPTON

1 dezembro 2006


Título: O FABULOSO MUNDO DE KRYPTON (Ebal) - Edição especial

Autores: Elliot S! Magia, Cary Bates e Martin Pasko (roteiro), Bob Brown, Dave Cockrum, Dick Dillin, Frank McLaughlin, Dick Giordano, Murphy Anderson, Curt Swan, Tex Blaisdell e Ernie Chua (desenhos).

Preço: Cr$ 200,00 (preço da época)

Número de páginas: 48

Data de lançamento: 1982

Sinopse: Uma coletânea de fábulas sobre o passado do planeta Krypton e suas figuras histórias e mitológicas.

Deixem meu povo viver! - Num passado remoto, quando Krypton não desenvolvia um movimento de translação em volta de seu sol, a única região habitada do planeta era uma pequena zona entre o calor escaldante e o frio insuportável de sua face escura.

Dois povos lutam pela região e escolhem dois guerreiros que devem, em combate, definir o destino de seus povos: a vida próspera para o vencedor e a morte certa para o perdedor. Será a violência a única saída para o dilema?

Infeliz Aniversário! - Kryptonianos não celebravam seus aniversários. Ao contrário, era uma data de pesar e sofrimento; e a cada seis anos eram acometidos de um acesso de choro. A explicação dessa curiosa tradição vem de séculos antes do nascimento do Superman, quando o sábio Vol-Tir precisa descobrir o que está transformando pessoas em armas de destruição telecinéticas ambulantes.

Os Guerreiros do Trovão - Vanária foi escrava e se tornou uma guerreira única em todo Krypton Antigo, conquistando sua liberdade e prometendo se entregar somente ao homem que a derrotasse em combate.

Jaxon do Chicote deseja ser este homem. Um conto de amor, renúncia e tragédia que entrou para sempre para a História do planeta.

Um conto de tempo e maré - Após causar um pequeno acidente no laboratório de seu tio cientista, o pequeno Jor-El ouve sobre os feitos e descobertas de Kil-Gor, um brilhante homem da Ciência do passado remoto de Krypton, e de como suas descobertas e invenções ajudaram a civilização a progredir e prosperar diante das adversidades da Natureza.

A princesa e o homem da floresta de vidro - Em uma visita a um orfanato na Terra, Superman narra às crianças um conto de fadas de Krypton. Uma princesa perdida numa magnífica selva de árvores de vidro, um terrível monstro carnívoro que a perseguia e seu salvador, um humilde cortador das árvores, que está destinado também a roubar o coração da moça.

O mago de Krypton - Em uma viagem à cidade engarrafada de Kandor, Superman ouve de um dos anciões a história de Ca-Rox, um mágico pelos padrões terrestres que entretinha as platéias de Krypton com truques realizados com o auxílio de seu ajudante, Maz-Ma.

Então, o jovem Maz descobre que seu mentor realmente tem poderes mágicos, algo que o próprio Rox desconhece e que pode ser desastroso se vier à tona, devido ao seu gênio violento.

O homem mais solitário do Universo - Superman tenta dissuadir a Supergirl de seu desejo de abandonar a capa e levar uma vida normal relatando o conto de Nam-Ek, um cientista resolvido a encontrar a cura para o "mal supremo": a morte!

Ele parte para a Floresta Escarlate, onde residem os repugnantes rondores, feras horrendas e malcheirosas, mas cujo único chifre frontal emanava um raio medicinal que curava todas as doenças.

O cientista faz um soro do chifre das criaturas e, ao ingeri-lo, realmente se torna imortal e invulnerável, mas transforma-se numa terrível abominação, um rondor-humano. Sua tragédia e solidão, a partir de então, o colocaram numa busca desesperada pela cura do mal que trouxe a si, uma missão que coincide com as horas finais de Krypton!

Positivo/Negativo: Antes de 1986, quando a minissérie Homem de Aço, de John Byrne, reformulou o Superman após Crise nas Infinitas Terras, Krypton era apresentado como um mundo utópico, um reflexo do que seria o futuro da Terra segundo a imaginação dos autores, com carros voadores, homem e mulheres trajando roupas espalhafatosas e vivendo numa sociedade regida pela ciência.

É a este período que pertencem as aventuras deste belo álbum da Ebal, que revelam o passado histórico e até mitológico de Krypton, com numerosas curiosidades sobre o mundo natal do maior herói da Terra e até mesmo de seu pai biológico, Jor-El.

Com exceção do último conto, assinado por Martin Pasko, as histórias foram escritas por Elliot S! Maggin e Cary Bates, algumas com ilustrações do inesquecível Curt Swan. Uma tríade de criadores veneradíssima por qualquer fã do Homem de Aço e responsável por mais de três décadas desenvolvendo a mitologia do kryptoniano.

Maggin e Bates fazem o que seria quase impensável nos dias atuais, em que a indústria dos quadrinhos norte-americana é movida basicamente por sagas intermináveis destinadas a serem coletadas em edições encadernadas de vários formatos e preços: escrevem contos de oito páginas que dizem mais sobre a humanidade e o espírito humano (uma vez que o próprio Krypton é usado como uma metáfora da Terra e seus habitantes) do que toda Pelo Amanhã, arco recém-publicado no Brasil e assinado por Brian Azzarello e Jim Lee.

Tirando o fator comercial, é fato que poucos escritores da atualidade possuem este dom incrível de, em apenas algumas páginas, arrebatar o leitor para um universo diferente e, ainda assim, para dentro de si mesmo.

Destaca-se o primor de Deixem meu povo viver!, uma verdadeira elegia de Maggin à paz e a irmandade entre povos de diferentes raças e costumes que buscam dividir o mesmo espaço. É tocante a cena em que Kya e Hex (os dois jovens guerreiros que lutarão para decidir qual dos povos deve viver no setor iluminado do planeta) descobrem que a violência e a morte não seria a solução para seu dilema, renegando o destino que lhes foi traçado.

Bob Brown e o veterano Dave Cockrum fazem um magnífico trabalho de arte, principalmente na batalha entre os rivais, povoadas de movimentos ágeis e momentos de tensão.

Infeliz Aniversário, de Cary Bates, é sobre o princípio da psicologia kryptoniana: o sábio local busca compreender que tipo de força misteriosa leva a espasmos de energia telecinética dos habitantes.

Novamente, a ficção entra como pano de fundo para discutir os sentimentos de tristeza e perda reprimidos por uma sociedade, a tal ponto que os habitantes se tornam bombas ambulantes de energia armazenada e encontram no chorar (ou seja, na liberação de suas emoções), o caminho para a paz interna.

O traço tradicional e que beira uma fusão dos estilos de Dick Giordano e Gil Kane da dupla Dillin e McLaughlin não compromete, mas também não lhe dá muita personalidade e destaque.

O roteiro é mediano e seu real valor é apenas explorar curiosidades como o porquê dos kryptonianos chorarem em seus aniversários (algo já explorado anteriormente nas histórias do Superman).

Outra curiosidade fica por conta do dia do aniversário terrestre de Clark Kent: foi em 18 de julho que os Kent acharam seu foguete. Esta data é justamente o "aniversário real" do Superman, por ter sido em 18 de julho de 1938 que Action Comics # 1, sua revista de estréia, foi lançada!

O último detalhe fica por conta da rápida cena em que Vol-Tir se depara diante das estátuas dos fundadores da civilização kryptoniana, os irmãos Kryp e Tonn.

Guerreiros do Trovão é a HQ mais fraca, assinada por um irreconhecível Maggin e apresentando uma cópia descarada de Sonja, a Guerreira, incluindo até seu juramento de não se entregar a outro homem.

Diferente de sua contraparte, Vanária é ludibriada por Jaxon e paga caro por seu orgulho, que a deixou tão cega a ponto de não ver as intenções reais do homem com sorriso jovial. A caracterização dos personagens é pobre e o enredo parece ter sido reaproveitado de alguma história vetada pela Marvel para Sonja.

Até o mestre Dick Giordano tropeça tanto na caracterização dos personagens como na apresentação dos cenários, reforçando visualmente a influência pouco inspirada nos personagens de Robert E. Howard.

Outra pequena pérola é Um conto de tempo e maré, em que Maggin vota ao seu nível habitual como ficcionista. Zim conta ao seu sobrinho Jor-El como a ciência inspira os homens e, se usada para propósitos altruístas, pode ajudar toda uma civilização.

Kil-Gor, o inventor e cientista do antigo Krypton personifica outros tantos terráqueos do passado que foram caçados e tiveram suas descobertas caçoadas apenas para serem reverenciados depois de suas mortes, como verdadeiros gênios.

Ao fim da trama, Jor-El constata que o acidente que fez Zim-El lhe contar sobre os feitos de Kil-Gor causaram uma pequena propulsão na cápsula onde caíram, fazendo com que ela decolasse pela sala. Anos depois, isso levaria o jovem a desenvolver um foguete para salvar seu único filho, Kal-El, da destruição do planeta.

A arte-final do veterano Murphy Anderson enobrece os desenhos de Dick Dillin e ajuda a dar à arte mais personalidade do que em Infeliz Aniversário.

Em A princesa e o homem da floresta de vidro, Maggin faz história que soa realmente como um conto de fadas, remetendo aos arquétipos do jovem corajoso, da princesa em perigo (que não terá de salvar a mocinha na última hora!) e do monstro terrível a ser vencido.

Sendo Krypton um mundo permeado de ciência e conhecimento, é através dela, e não apenas de seus dotes físicos e de uma espada, que El-Kin salva a princesa. Ilustrada a três mãos pelo mestre Curt Swan, Dick Dillin e Frank McLaughlin, é a arte do primeiro e seu traço característico (e por vezes nitidamente estático) que se sobressaem, deixando o leitor a cogitar se a semelhança de El-Kin com outro personagem famoso, o Príncipe Valente.

O monstro telepensante, com um visor na cabeça, onde projeta seus pensamentos, soa realmente risível para os padrões atuais, mas ainda assim foi homenageado com uma aparição na minissérie Superman - A Última Esperança de Krypton, lançada no Brasil pela Mythos.

O mago de Krypton leva o leitor para Kandor em sua versão pré-Crise, uma cidade miniaturizada por Brainiac e raptada do planeta antes de sua explosão. É uma boa história. Cary Bates levanta o interessante conceito de como o jovem aprendiz nunca deixou o mestre ilusionista saber sobre seus reais poderes, por conta de seu gênio explosivo e violento. O contraste é interessante, por explorar o uso da magia real num mundo pautado pela ciência.

Maz-Ma deixa claro que qualquer tipo de conhecimento precisa ser usado com cuidado, por pessoas preparadas. O jovem ganha a cena por mostrar tanto discernimento e sabedoria e por confidenciar que, após a morte de seu mentor, revelou a verdadeira história sobre seus poderes mágicos, tornando o ancião uma verdadeira lenda em Krypton.

Ilustrada por Curt Swan, com arte-final de Tex Blaisdell, o conto é povoado por belas seqüências das "ilusões" de Ca-Rox e de grandes caracterizações de expressões faciais.

Fechando a edição, a única história assinada por Martin Pasko, a mais trágica de todas. Ela apresenta em Nam-Ek o arquétipo do cientista que acredita que o conhecimento não deva ser talhado por ética ou qualquer outro princípio, senão o da descoberta.

Em sua busca pela imortalidade recorrendo à ciência, ele se torna vítima de sua própria arrogância e transforma os cinco séculos seguintes de sua vida numa patética seqüência de dias sozinho e infeliz, até resolver buscar uma cura, o que coincide com a destruição de Krypton.

De acordo com o Superman, sua invulnerabilidade o tornou imune até à destruição do planeta(!) e, "segundo contam", ele estaria ainda vagando no cosmo, sozinho e amargurado.

Pasko termina o conto na hora precisa, deixando o leitor com um gosto amargo de tragédia para digerir, mas ainda assim tocado pela sensibilidade e sofrimento que os seres humanos são capazes de trazer a si mesmos. E, muitas vezes, "coisas que pensamos ser de maior importância tornam-se uma maldição, em vez de uma benção", como Kal-El explica.

Tudo contado nos poderosos traços de Ernie Chua que, de longe, mostra a repressão mais poderosa do Superman em toda a revista, além de desenhar a Moça de Aço de forma encantadora.

Todas estes pequenos contos foram editadas originalmente nos títulos do Superman nos Estados Unidos. A Ebal compilou alguns e lançou este magnífico álbum em 1982, em cores e em tamanho Espada Selvagem de Conan. Sem utilizar papel cartão na capa ou couché tão comuns hoje, a qualidade da impressão e das letras (feitas à máquina, algo incomum atualmente) é bastante competente.

Falta apenas um artigo sobre a história do próprio planeta nos quadrinhos desde sua criação por Siegel e Shuster e sobre a própria série publicada no volume, mas até então isso eram elementos que a Ebal raramente explorava.

Outro fato incomum se comparado às publicações atuais é a presença de anúncios de outras publicações, como Tarzan, nos rodapés dos painéis. A qualidade narrativa e visual, contudo, supre qualquer pequena deficiência, tornando a obra uma leitura mais do que agradável para todos os fãs do Superman e apreciadores de ficção científica e de boas histórias.

HQs de um passado não muito distante, em que a qualidade das histórias significava excelentes caracterizações, ótimos enredos, arte competente e tramas que, apesar de revestidas pelo elemento "fantástico", discutiam de forma inteligente e sagaz com o leitor temas comuns à própria condição humana.

 

Classificação:

4,0

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