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Olympe de Gouges

22 dezembro 2014

Olympe de GougesEditora: Record – Edição especial

Autores: José-Louis Bocquet (roteiro) e Catel Muller (arte) – Originalmente em Olympe de Gouges (tradução de André Telles).

Preço: R$ 88,00

Número de páginas: 488

Data de lançamento: Maio de 2014

Sinopse

Em 1748, em Montauban, nasce Marie Gouze, criada sob as convenções da França setecentista. Aos 18 anos, mãe e viúva, se vê livre para expressar suas ideias e adota o pseudônimo Olympe de Gouges. Anos depois, se muda para Paris, onde participará ativamente da vida política e cultural.

Inspirada pelas ideias libertárias da França pré-revolucionária, ela se dedica intensamente à escrita – atividade que levaria até os últimos dias de sua vida e que lhe causaria muitos problemas.

Positivo/Negativo

“A mulher nasce livre e é igual ao homem perante a lei. A mulher tem o direito de subir ao cadafalso; deve ter igualmente o de subir à tribuna.” Este é um fragmento de um dos 17 artigos da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, concebida no começo da última década do Século 18, por Olympe de Gouges.

Hoje, passadas as revoluções sexuais dos últimos 40 anos e as conquistas feministas, tal manifestação não parece algo inovador ou reacionário, mas era um tempo em que a mulher não tinha voz e era vista apenas para “fazer a felicidade de um homem”, há mais de dois séculos.

Independentemente do pensamento vigente, ainda havia uma “abertura” nesse tempo, principalmente para a mulher que soubesse ler. Desde o surgimento do teatro, por exemplo, elas eram impedidas de atuar, sendo os papéis femininos representados pelos atores.

Apenas no Século 15 as atrizes aparecem em cena no teatro de rua, com a chamada Commedia dell'Arte. E a conquista do voto? Um dia desses, se comparado à espera: 1944.

A obra cobre toda a segunda metade do Século 18. Vale notar a postura já prematura da protagonista sobre sua visão de mundo. A pequena Marie Gouze – futura Olympe de Gouges – questiona os adultos e não gosta de cumprir certas tradições.

Numa época de casamentos como fonte de renda e status, na qual desmembramentos e humilhações em praça públicas serviam de conversas e gracejos na hora de se reunir à mesa para a ceia em família, a pequena Olympe vê pela primeira vez um escravo negro nas ruas francesas.

Fiel leitora de Rousseau e filha bastarda de um poeta aristocrata, ela terá seus próprios pensamentos, mesmo cedendo à pressão do sistema. Para a jovem futura viúva, o seu matrimônio prematuro é “o túmulo do amor”, de acordo com suas palavras.

Uma série de figuras históricas desfila pelas páginas do álbum, como o já citado Jean-Jacques Rousseau, Voltaire e Benjamin Franklin. Todos dissecados por pequenas biografias no final da obra, por ordem de aparição.

Aliás, percebe-se o esforço dos quadrinhistas José-Louis Bocquet e Catel Muller para a narrativa não soar forçada ou didática demais. A edição ainda contextualiza o leitor, além das biografias dos personagens, com uma cronologia dos principais acontecimentos ano por ano do período.

Em muitos momentos, como a súbita morte da filha recém-nascida da protagonista, os autores fazem uso de elipses para o desfecho dos capítulos, o que também deixa a leitura mais dinâmica e interessante.

Em Olympe de Gouges se vê o poder do uso da pena em paralelo às armas e a violência de uma verdadeira revolução de um povo descontente com o sistema vigente. Ao mesmo tempo em que sofre embargos de suas peças antiescravagista, Olympe produz panfletos dos seus ideais libertários feministas e patrióticos. Essa postura lhe valeu inimizades e escandalizou os mais conservadores.

Apurando o seu gosto literário nos livros “proibidos” vendidos no mercado negro das ruas estão obras como Ligações perigosas, de Pierre Choderlos de Laclos. O romance sobre os bastidores aristocráticos da época serviu de base para o filme homônimo de 1988, dirigido por Stephen Frears, com Glenn Close, John Malkovich e Michelle Pfeiffer (vencedor de três estatuetas no Oscar, incluindo Melhor Roteiro Adaptado). Dentre outros longas-metragens baseados na obra, destaca-se Valmont (1989), de Milos Forman.

Um calhamaço de quase 500 páginas (com formato 16 x 24 cm), a edição do selo Galera, da Record, tem uma boa impressão em papel off-white, capa com aplique de verniz e orelhas. Completando as mais de 80 páginas de extras, as referências bibliográficas da pesquisa minuciosa de Bocquet e Muller.

Por ser uma edição “robusta”, o leitor deve ficar atento na encadernação dos exemplares, Caso não esteja bem ajustado e devidamente costurado, pode soltar cadernos ou fazer vincos na lateral com o manuseio.

A arte estilizada e ao mesmo tempo detalhista de Catel Muller casa bem com o período. Vale lembrar que os autores produziram Kiki de Montparnasse, mais um belo álbum biográfico sobre outra figura feminina europeia importante, lançado em 2010 no Brasil, pela mesma casa editorial.

Um dos grandes lançamentos do ano, Olympe de Gouges mostra “uma mulher comprometida com o caos de sua época”, como bem define um dos personagens. Leitura essencial para quem aprecia fatos históricos e deseja entender melhor as mudanças revolucionárias do mundo.

Classificação

 

5,0

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