Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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OS INIMIGOS NÃO MANDAM FLORES

Por Delfin
1 dezembro 2006


Título: OS INIMIGOS NÃO MANDAM FLORES (Pixel
Media
) - Edição especial
Autores: Ferréz (roteiro) e Alexandre de Mayo (desenhos).

Preço: R$ 29,90

Número de páginas: 56

Data de lançamento: Agosto de 2006

Sinopse: Na capital paulista, um assaltante é preso após assassinar seu parceiro. Isto detona os eventos que levarão Igordão à faculdade do crime.

Na cadeia, ele vai tramar a sua vingança contra aquele que o colocou atrás das grades.

Positivo/Negativo: Este quadrinho tinha tudo para ser especial. Uma história da periferia em quadrinhos, anuncia a capa. Os criadores, Ferréz e Alexandre de Mayo, são muito identificados com a periferia paulista(na). O primeiro, autor do bem-sucedido livro Capão Pecado. O segundo, editor da Rap Brasil, talvez a maior revista deste gênero musical no País.

Apesar disso, havia também o receio de que a inexperiência dos dois com quadrinhos fosse ser prejudicial para a narrativa. A leitura termina uma dezena de minutos depois de iniciada, com algumas considerações.

O álbum tem uma introdução do jornalista Rodrigo Fonseca, seguida de entrevistas de Ferréz e Alexandre de Mayo. O tempo de leitura atenta destas páginas é aproximadamente o mesmo da HQ. Primeiro alerta.

A trama, em si, é bem básica. Assassino preso, vingança contra quem o jogou na cadeia, passa o tempo, missão concluída. Uma estrutura bem realista e sem sutilezas. Óbvia, inclusive, para os leitores habituais de HQ. Mas... Igordão? Este resenhista confessa que pensou se isso era nome de bandido, se nas ruas era comum imitarem a tradução do Austin Powers.

Mas não é a única idéia emprestada da história. O trecho em que Ferréz cita que, se a favela fosse mostrada de cabeça para baixo ninguém perceberia, é basicamente o texto-argumento de uma premiada campanha publicitária internacional que fala do descaso da sociedade com os menos favorecidos. As clássicas cusparadas em comidas de restaurantes (aqui uma rede de lanches fast-food) também já foram vistas em vários filmes.

A história, de certo modo, utiliza a moral do "aqui se faz, aqui se paga". Mostra também o atual ciclo de impunidade e poder criminal. Mas não se aventura a mais do que um episódio isolado e pequeno, bem distante da grande história que ainda precisa ser contada, sobre o crescimento da marginalidade (marginal, aqui, no sentido de "colocado à margem") no Brasil e, especificamente, em São Paulo. Fazer algo como MV Bill fez em seu documentário Falcão - Meninos do Tráfico. Ser menos pueril, enfim.

Vale destacar a falta de glamour heróico dos policiais. É revigorante vê-los como coadjuvantes, apesar dos clichês.

Quanto aos desenhos, De Mayo é um estreante e, apesar de toda a estética suja que aparentemente a trama necessita, o fato é que a arte não se sustenta sozinha. Se fosse em preto-e-branco, seria bastante inferior. Aliás, as cores não são creditadas. Podem ser do próprio ilustrador, mas não fica claro em nenhum momento.

Apesar de tudo, que fique claro: a HQ manda o seu recado: há um problema e ele pode nascer nas pequenas coisas. Ela não apresenta origens da criminalidade, mostra um item banal e, aí sim, talvez porque isso seja mesmo banal na vida atual das grandes cidades. Até demais.

Se as autoridades lessem, perceberiam que é hora de fazer alguma coisa. Este é um quadrinho para elas e para a sociedade que oprime: percebe-se pelo preço e pelo acabamento da edição que não é a periferia que precisa conhecer o que está contido na graphic novel.

Resta saber se mais este alerta social ecoará em bons ouvidos.

 

Classificação:

4,0

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