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PAGANDO POR SEXO

1 dezembro 2012

PAGANDO POR SEXO

Editora: WMF Martins Fontes - Edição especial

Autor: Chester Brown (roteiro e arte) - Publicado originalmente em Paying for it.

Preço: R$ 47,00

Número de páginas: 296

Data de lançamento: Agosto de 2012

 

Sinopse

Chester Brown, quadrinhista canadense, resolve, por uma desilusão amorosa, não se envolver mais romanticamente com ninguém e, quando sentir necessidade de sexo, pagar por isso.

Positivo/Negativo

Este é o segundo trabalho de Chester Brown que chega ao Brasil (o anterior foi A Playboy, em 2001). Apesar de ser um dos grandes nomes dos quadrinhos da América do Norte fora do circuito de super-heróis, sua obra é pouco conhecida e publicada por aqui.

De uma mesma "geração", há autores como Adrian Tomine, Seth, Joe Matt, ainda não publicados no nosso país. Aliás, Seth e Joe, amigos pessoais de Chester Brown, são personagens de Pagando por sexo.

O prefácio do livro é de Robert Crumb, o que já dá pistas sobre o tipo de produção de Brown: autobiográfica e pessoal. Mas o grau de pessoalidade é muito intenso, obrigando Chester a se expor e colocar suas opiniões, ideias, contradições e manias diante do leitor de maneira quase cruel. Não há autoindulgência.

E essa é uma das causas de a HQ funcionar tão bem.

Uma das outras é a tese de Brown sobre a prostituição. Concorde ou discorde
o leitor, é admirável ver uma argumentação tão bem construída e honesta.
A racionalidade do autor é extrema, a ponto de ele calcular quanto pode
gastar por ano com sexo, para decidir de quanto em quanto tempo visitará
prostitutas.

Pagando por sexo tem cara de ensaio, com tese e experiência pessoal, buscando demonstrar uma verdade. E a honestidade de Brown faz com que fique muito claro que se trata de sua verdade pessoal e que ele quer convencer o leitor. Convencer, não obrigá-lo a aceitar o que diz.

Nessa pequena diferença, entra a necessidade de argumentar com inteligência.

A verdade proposta por Chester não é nada nova. Embora defenda a liberalização da prostituição, as raízes de seu pensamento são sobre a liberdade civil, acima de tudo. Para os leitores interessados, vale consultar os textos de Henry David Thoureau, que parecem dialogar com as ideias do quadrinista.

Falando em leituras, a preocupação de exposição de sua tese é tão grande em Chester Brown, que ele faz uma longa sessão de apêndices e notas, tanto para apresentar suas opiniões sobre o tema, quanto para clarear pontos de sua argumentação e aumentar a chance de ser entendido.

Independentemente de o leitor concordar ou não com a ideia de pagar por sexo, há pelo menos duas discussões poderosas incubadas nos entrequadros da HQ.

Uma de base seria: qual é o direito de o Estado interferir na vida do indivíduo? Qual é esse limite? Há um dever do Estado em interferir em alguns casos? Quando essa interferência estatal é apego a antigas convicções que não fazem mais sentido e quando se trata de proteção social?

No apêndice, Chester defende a ideia de que mesmo a dependência de drogas é relativa e um processo de escolha; e que o estado não deveria influir na escolha de um cidadão, caso ele resolva fazer uso regular de heroína.

Isso lembra a argumentação do escritor William S. Burroughs em Junky e em algumas cartas. Na sua concepção, se tornar um junk ("viciado"), é uma opção racional. Isso lhe trazia algumas vantagens e desvantagens, entre elas o prazer proporcionado pela droga e a necessidade de ter sempre um pouco por perto para evitar a abstinência.

A outra discussão é sobre o prejuízo que a ideia romântica consolidada no Século 19 traz aos nossos tempos: a idealização do parceiro que, na verdade, o desumaniza, a fé na existência da genialidade, que leva muitos a torcerem em vez de treinar, e uma série de promessas que o romantismo não pode cumprir.

E dentro da ótica racionalista de Chester Brown é fácil pensar assim. O que não significa que vários pontos da argumentação dele não sejam bastante discutíveis. Além do polêmico tema das drogas, há três outros bons exemplos.

O primeiro é dizer que o trabalho das prostitutas não deve ser tributado pelo Estado, entre diversas razões mais coerentes, por se assemelhar ao dinheiro destinado às igrejas, já que o sexo pode ser encarado como algo sagrado.

A argumentação é falsa: uma prostituta oferece um serviço e recebe por ele; uma igreja é uma ideologia espiritual que pode ou não ter ações terrenas. A prostituição se assemelha muito mais a um profissional liberal do que a uma igreja. O sagrado não entra em questão.

Outra tese é de que todas as prostitutas têm a opção de estar ou não no ramo. Essa é muito discutível, mas seria preciso buscar dados confiáveis para um pensamento mais embasado.

A terceira, e mais indefensável de todas, é sobre as escravas sexuais. Chester tenta argumentar que isso praticamente inexiste no Canadá e tenta se desvencilhar do risco de ter feito parte dessa cadeia exploratória, justificando-se a partir de pequenas ações que comprovariam que as estrangeiras a que pagou para ter sexo, o faziam por vontade própria.

Não é pra concordar, não é pra levantar bandeiras, é pra pôr o leitor para pensar.

Vale ainda sugerir duas resenhas sobre o livro: uma de Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, e outra de Monique Prada, uma garota de programa em atividade (vale alertar que este link direciona para a página dela).

Grandes obras não precisam concordar com você. Precisam mexer com você. Obrigado, Chester Brown.

 

Classificação:

4,0

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