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PREACHER #28

1 dezembro 2003


Título: PREACHER # 28 (Brainstore) - Revista mensal

Autores: Garth Ennis (roteiro) e Steve Dillon (desenhos).

Preço: R$ 7,90

Número de Páginas: 24

Data de lançamento: Agosto de 2003

Sinopse: Eu construí meus sonhos ao seu redor - Finalmente, acontece o tão esperado reencontro de Jesse e Tulipa. E o reverendo mais durão das HQs descobre a verdade sobre seu "chapa" Cassidy.

Positivo/Negativo: Garth Ennis é, sem dúvida, um dos autores mais politicamente incorretos a trabalhar no esquema mainstream da indústria de HQs americanas.

Além disso, seus textos são cínicos, grossos e carregados do mais agressivo humor negro. Todas essas características são tão evidentes, que pouca gente menciona que, no fundo, no fundo, Ennis é um sentimental pra lá de romântico.

Esse episódio de Preacher é a prova disso. Uma belíssima história de amor, que trouxe de volta um dos casais mais queridos dos quadrinhos. Numa mídia tão dada a simplificações e abordagens superficiais, é recompensador acompanhar o desenvolvimento de uma relação tão forte, bonita e ardente quanto a de Jesse e Tulipa, que têm tanto a dizer a todos nós.

Nos últimos episódios, Ennis havia criado a expectativa de um reencontro complicado. Havia muitas neuras envolvidas. Afinal, Tulipa tinha, literalmente, afundado no inferno com Cassidy, por não conseguir superar a "morte" de Custer.

Os leitores acompanharam a assustadora queda de Tulipa, famosa por sua força e independência, tornando-se um farrapo humano, menos do que a sombra da mulher que foi.

Jesse, por sua vez, ao ter de encarar a possibilidade de ter perdido seu grande amor, viu-se completamente paralisado. Abandonou sua busca, enfurnou-se em Salvation e passou meses numa grande marasmo. O tempo todo com a imagem de Cassidy beijando Tulipa flutuando em sua mente, criando dúvidas onde não deveria existir nenhuma.

Por fim, quase que simultaneamente, ambos conseguem romper a inércia e voltar a caminhar. Entretanto, uma coisa Ennis deixou clara: enquanto não estivessem juntos de novo, a missão de Jesse não poderia continuar. Essa compreensão fez o reverendo ganhar novo ânimo para partir em busca de seu grande amor, aceitando o fato de não ser mais do que a metade de um homem sem ela.

Para Tulipa, entretanto, a coisa era mais complicada, visto que ela achava que Jesse estava morto.

Por fim, no momento do reencontro, todas as dúvidas e neuras viram fumaça. Jesse e Tulipa estão juntos de novo provando que o amor entre eles pode sobreviver a qualquer tipo de provação.

Contrariando a cartilha do mundo moderno, por demais intoxicado com delírios de consumo, culto ao indivíduo, narcisismo e egoísmo, onde sexo, amor e pessoas são usados e descartados como itens de uma liquidação, Ennis revalida a idéia do amor, o amor verdadeiro, como a força motriz do ser humano. "Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, sem amor eu nada seria".

Os detratores poderiam dizer que a relação de Jesse e Tulipa revelou-se nociva, pois contém um elemento de mútua dependência. Palavras de ordem como: independência, amor-próprio, auto-realização, auto-isso e auto-aquilo, poderiam ser usadas para mascarar o fato de que, quando o narcisismo se esgota, quando o egoísmo cobra o seu preço (quase sempre muito caro), quando a solidão começa a bater na porta maculando todos os feitos e realizações, nada poderia fazer mais falta do que a aceitação da verdade de que nenhum de nós se basta, e todos passamos a vida procurando um amor tão forte e maduro quanto o de Jesse e Tulipa.

E nada poderia ser mais divertido e prazeroso do que se entregar de fato ao amor, sem medo de perder parte de nós mesmos nesse ato, de compartilhar nossos mundos pessoais, de sentir necessidade do outro e aceitar o fato de que o outro também precisa de você.

Ennis ainda reforça esses pontos de vista através da personagem Amy, grande amiga do casal. Garota forte, bonita, sexy, independente, decidida, aventureira, segura de si e… solitária e infeliz, sempre em busca do amor para completar-se. E que adianta, de fato, ser plenamente realizado, se não há ninguém com quem compartilhar essas conquistas? Doar-se é a mais plena forma de auto-satisfação.

Nisso, pode-se pensar alguma coisa a respeito de Cassidy e seu pseudo-amor por Tulipa. Um sentimento vampiresco, incapaz de doar, um amor que suga, esgota, devora, um ápice de egoísmo, pois não se importa com nada, nem ninguém; totalmente indiferente à dor que provoca nas pessoas.

Curiosamente, Cassidy costumava referir-se àquela seita de vampiros como "Clube dos Punheteiros", sem se dar conta de que ele mesmo é o maior de todos. Como quase sempre acontece, aquilo que mais nos incomoda em outras pessoas é exatamente o reflexo das falhas que sentimos em nós mesmos.

E, para completar esta edição tão deliciosa, o desfecho com Jesse e Tulipa dançando na neve é o suficiente para trazer lágrimas aos olhos de qualquer coração partido. Um lampejo de esperança e humanidade vindo de um autor normalmente tão pessimista e amargo não é algo que se possa desprezar.

Um brinde a Ennis, Dillon, Fabry (autor da indescritível capa) e, claro, a Jesse e Tulipa. E que Cassidy vá pro meio do inferno.

Classificação:

4,0

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