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Reino do Amanhã – Edição definitiva

7 fevereiro 2014

Reino do Amanhã – Edição definitivaEditora: Panini Comics  – Edição especial

Autores: Mark Waid (roteiro), Alex Ross (arte) – Originalmente The Kingdom Come, minissérie em quatro partes publicada pela DC Comics em 1996.

Preço: R$ 89,00

Número de páginas: 336

Data de lançamento: Outubro de 2013

Sinopse

O mundo foi tomado por uma nova geração de super-heróis, que acredita acima de tudo que “bandido bom é bandido morto” e em “direitos humanos para humanos direitos”.

Apesar dos vilões e das “forças do mal” serem praticamente erradicadas da face da Terra, a humanidade agora se defronta com uma nova e inesperada ameaça: seus salvadores.

Truculentos, autoritários e inconsequentes, esses heróis causam danos e terror à população que deveriam proteger. Então, um incidente catastrófico força o retorno do Superman, que havia se exilado por achar que seus pontos de vista sobre certo e errado não tinham mais lugar nesse novo mundo.

Então, surgem três facções de superseres: a violenta nova geração; a Liga da Justiça reunida pelo Superman, zelando pelos valores tradicionais; e os seguidores de Batman, que traça alianças com os vilões sobreviventes.

As tensões aumentam e a guerra, que pode acabar com a civilização, parece inevitável. Quando o confronto entre nossos heróis torna-se a maior ameaça, quem poderá salvar o mundo?

Positivo/Negativo

As declarações de Alan Moore sobre super-heróis causam polêmicas entre os fãs. O roteirista inglês entende os uniformizados como uma fantasia infantil de poder e acha constrangedor que adultos se agarrem a ela.

Por outro lado, seu antagonista declarado, Grant Morrison, defende que os super-heróis podem representar os valores mais puros de solidariedade e, com isso, inspirar as pessoas do nosso complexo mundo real.

Reino do Amanhã acaba servindo para ilustrar essa discussão de pontos de vista.

A edição definitiva lançada pela Panini é belíssima. Apresenta a história original e mais de 100 páginas de extras, com entrevistas, comentários sobre o design dos personagens, esboços e cenas adicionais. E o formato um pouco maior que o das edições originais e a impressão bem cuidada valorizam a arte de Alex Ross.

Não são todos os leitores que gostam do trabalho de Ross, mas ele cumpre bem seu objetivo: ilustrar a atordoante vastidão de cores do universo bidimensional dos super-heróis. A paixão do desenhista por esses personagens é evidente em cada painel da história, nos esboços, na profusão de uniformes e formas, na preocupação com cada detalhe das cenas.

Mark Waid é um parceiro à altura de Ross na elaboração do projeto. Profundo conhecedor do Universo DC, em todas as suas curiosidades e estranhezas, o roteirista proporciona divertidas referências. Mais que isso, importa-se de maneira sincera com os personagens.

O autor destaca a cena de Superman reencontrando seus velhos óculos e sua identidade humana como um exemplo de que não são os confrontos que lhe interessam, mas personagens convincentes quanto às suas motivações e fragilidades.

Os temas aparentes que conduzem Reino do Amanhã são a fatalidade, a crença no destino e em forças “superiores”. É significativo que um dos personagens principais seja um pastor cristão: Norman McCay, desenhado por Alex Ross a partir da imagem de seu pai, o ministro protestante Clark Norman Ross.

Recrutado pelo Espectro para ser sua “consciência humana” e assombrado por “visões” que parecem anunciar uma tragédia inevitável, McCay conduz o leitor por uma trama cheia de citações bíblicas, constantemente lamentando pelos valores morais perdidos e temendo pelo futuro da humanidade nas mãos da nova geração de super-heróis.

Quando Superman retorna de seu exílio, McCay se enche de alegria, para então se dar conta, por meio de suas visões, que é justamente isso que vai desencadear o armagedon.

Inspirados pelo Homem de Aço, outros heróis da velha guarda retornam, e os fantasiados começam a se dividir em facções. De um lado, a nova geração, irresponsável e truculenta. Do outro, a velha, disposta a impor sua ética à força.

Daí surge a principal diferença de Reino do Amanhã para outras sagas de super-heróis: não há um grande vilão ou uma ameaça facilmente identificável.  As razões e argumentos de todos os envolvidos possuem contradições e é difícil dizer quem está certo.

A crença em ídolos, líderes e forças superiores é lentamente posta abaixo, ao longo da história. Obcecados com seus próprios objetivos, as figuras centrais se desmoronam em decepção. Superman falha em seu papel como líder, Mulher-Maravilha sucumbe aos métodos que deveria combater e o estrategista Batman, que sempre cobre todas as possibilidades, acaba ignorando completamente o fato de que o desespero das pessoas comuns podia levá-las a tomar uma medida extrema.

É interessante notar que a humanidade, o povo pelo qual esses seres extraordinários lutam, não tem voz nenhuma na trama. As pessoas comuns são tratadas como se fossem elementos cênicos até o momento fatídico, em que decidem, durante uma reunião da ONU, pelo extermínio de seus “protetores”.

Com isso, a intenção dos autores talvez fosse ressaltar como as intrigas e conflitos entre seres poderosos acabam ignorando justamente aquelas pessoas que são as mais atingidas.

Reino do Amanhã parece ser sobre moral e bons costumes, sobre valores de pessoas de bem que são ameaçados por vândalos inconsequentes. Mas, após o inexorável e brutal desfecho, fica claro que tudo foi causado por indivíduos incapazes de enxergar além de si mesmos e perceberem o próximo com solidariedade e respeito.

Waid e Ross levam o jeito dos super-heróis de resolver os problemas na base dos socos às últimas consequências; e o resultado é genocídio.

Uma coisa que chama a atenção no roteiro é a quantidade de “situações convenientes” para o desenvolvimento da história. Por exemplo, o confronto final é entre Superman e Capitão Marvel. A presença de Ajax, o Marciano, poderia afetar esse equilíbrio – por isso, ele é descartado devido a uma incapacitação telepática. Em sua forma astral, o reverendo McCay é imperceptível, a não ser para o Flash, que descobre a sua presença em um momento muito propício para a trama. O Superman tornou-se invulnerável à kryptonita. E por aí vai.

E, afinal, onde estavam sendo presos os heróis capturados pela Liga da Justiça antes da construção do Gulag? Em vez de construir uma prisão no meio dos Estados Unidos, não era mais fácil ter colocado esse pessoal na base do Lanterna Verde, em órbita da Terra? Enfim, conveniências para assegurar um empolgante confronto final.

Vale comentar ainda que a edição traz novas páginas extras de história em relação à versão original norte-americana. No segundo capítulo, há uma sequência de diálogo entre Superman e Órion, o novo regente de Apokolips. Também foi acrescentado um epílogo com Batman, Superman e Mulher-Maravilha na lanchonete Planet Krypton.

Se você acredita, como Grant Morrison, que super-heróis inspiram solidariedade e o que há de melhor nos seres humanos, poderá perceber que faltaram justamente esses sentimentos aos protagonistas de Reino do Amanhã, e que isso levou a história a terminar de maneira tão terrível e, justamente por causa dessa tragédia, esses seres extraordinários acabaram reencontrando a sua própria humanidade.

Mas se você partilha das ideias de Alan Moore... oras, então não deveria nem perder tempo lendo resenhas sobre quadrinhos de super-heróis.

Classificação

4,0

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