Confins do Universo 203 - Literatura e(m) Quadrinhos
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SÁBADO DOS MEUS AMORES

3 setembro 2009


Autor: Marcello Quintanilha (texto e arte).

Preço: R$ 39,00

Número de páginas: 64

Data de lançamento: Abril de 2009

Sinopse: Coletânea de seis histórias de Marcello Quintanilha:

Plena de Flôroi - Uma borboleta amarela no centro do Rio evoca o cronista Rubem Braga.

De como Djalma Branco perdeu o amigo em dia de jogo - Numa comunidade de periferia do Rio de Janeiro, um flamenguista cultiva suas superstições.

Dorso - Um carregador é suspeito de se automutilar com um cinto.

Escola primária - Numa comunidade de jangadeiros, uma jovem estudante se engraça com o barqueiro mais esperto da região.

Atualidade - As consequências de um jogo de loteria.

A fuga de Zé Morcela - Funcionário de um circo que está na região, Zé Morcela engana uns moradores da cidade em um carteado.

Positivo/Negativo: Daqui para frente, quando se quiser debater a representação do Brasil nos quadrinhos, a discussão obrigatoriamente terá que passar por Sábado dos meus amores.

É que o álbum de Marcello Quintanilha é um marco.

Nele, se vê o Rio (centro e periferia), o Nordeste e o interior. Até aí, nada demais, muita gente conta histórias sobre o País.

O que chama a atenção é que o carioca tem cara de carioca, fala como carioca, mora numa periferia carioca, vai num boteco carioca.

E a menina nordestina se enamora de um jangadeiro nordestino, os dois com sotaques e roupas simples do Nordeste.

Tudo sem maniqueísmo e nem delírios patrióticos. Quintanilha é local e universal ao mesmo tempo.

A representação do país pode ser vista com força na arte. De cara, chama atenção a quantidade de personagens com rostos e jeitos diferentes. Muitos saem do bê-á-bá racial de boa parte dos quadrinhos brasileiros e se apresentam com fenótipos verdadeiramente miscigenados.

A mesma riqueza está nos cenários: seu mar nordestino tem um azul único, seu cirquinho interiorano é impecável e sua periferia quase dá para tocar.

Mas a brasilidade também está no texto, não só nos sotaques bem marcados, mas também na forma como Quintanilha estrutura seus roteiros.

O álbum abre com a história Plena de Florôi, que nada mais é do que uma homenagem a Rubem Braga.

Para reverenciar o grande cronista, Quintanilha fez uma crônica em quadrinhos, coisa rara, inusitada e profundamente adequada para anunciar o que vem pela frente - dizem os teóricos da literatura que a crônica é um gênero absolutamente nacional.

Seguindo com os gêneros literários, as quatro histórias seguintes são contos. Não quaisquer contos (certamente não do mesmo gênero que as short stories e novelas em que se baseiam boa parte das HQs), mas bem ao estilo de Machado de Assis e Dalton Trevisan: com um subtexto marcado - ou seja, uma história que se lê também nas entrelinhas.

O resultado é excelente. Mas pode causar estranhamento: em uma leitura menos atenta, os desfechos das histórias podem parecer mais abertos. Não são.

Mas não é só por representar o Brasil magistralmente que Sábado dos meus amores se destaca. A verdade é que se trata, de qualquer maneira, de um grande álbum. Coisa fina mesmo.

É um álbum tão bom que é bom quando se generaliza: tem grande texto, uma arte assombrosa, uma narrativa espetacular, cinco histórias matadoras... E até o tratamento gráfico é demais!

E é bom quando se repara nos menores detalhes: na bela frase do quinto quadro da página 5, na expressividade dos balões do quinto quadro da página 31, no tom do amarelo da página 41, no sorriso da garota do último quadro da página 39, no sotaque italiano de Dorso, na simplicidade devastadora da diagramação dos objetos fotografados que separam as histórias e por aí vai.

É bom em todo canto.

A trajetória premiada de Quintanilha sempre deixou claro que o autor era mais - bem mais - do que uma promessa.

Com Sábado dos meus amores, um baita sucessor para Fealdade de Fabiano Gorila, Quintanilha se revela um autor maduro em diversos aspectos: no texto e na arte; na forma e na temática; maduro até porque continua experimentando - porque, afinal, maturidade não tem nada a ver com estagnação.

 

Classificação:

4,0

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