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Thermæ Romæ # 1

13 setembro 2013

Thermæ Romæ - Volume 1Editora: JBC – Série mensal em seis edições

Autora: Mari Yamazaki (roteiro e desenhos) – Originalmente publicado em Terumæ Romæ.

Preço: R$ 19,90

Número de páginas: 188

Data de lançamento: Setembro de 2013

Sinopse

Roma, 128 d.C. O arquiteto de casas de banho Lucius Modestus perde seu emprego por ter ideias antiquadas para os padrões. Buscando inspiração em um banho quente, ele encontra uma misteriosa abertura no fundo da terma, e quando se aproxima para analisar melhor, é subitamente tragado pelo escoadouro e levado ao Japão dos dias de hoje.

Agora, o arquiteto utilizará toda a tecnologia e a perspicácia dos “Caras Achatadas” para revolucionar o mundo das termas de sua época.

Positivo/Negativo

Parece exagero enaltecer uma história em quadrinhos que tem como tema “banhos quentes”, mas só lendo Thermæ Romæ para notar como é rica e inesperada uma prática não habitual pelas bandas brasileiras.

No Japão, é fácil achar mangás que abordam um enorme leque de temáticas. Dentre algumas mais peculiares que ganharam edições nacionais estão Slum Dunk, série sobre basquete criada por Takehiko Inoue (Vagabond) e o ótimo Gourmet, escrito por Masayuki Kusumi e ilustrado por Jiro Taniguchi, a respeito da culinária nipônica.

As casas de banho da Roma Antiga começaram a serem criadas a partir do Século 2 a.C., e nelas se estabelecia não apenas um ritual de higiene, mas uma atividade social praticada pelos cidadãos e até por escravos, nivelando as castas democraticamente.

Era comum fechar negócios, falar de política ou saciar a fome com guloseimas de ambulantes nas grandes casas de banho quente.

De acordo com a historiadora Katherine Ashenburg, autora do livro Passando a limpo - O banho da Roma antiga até hoje (Larousse), “era como nossos clubes, nossos cafés, nossos spas. Eles podiam fechar negócios e contratar uma prostituta (apesar de ter separação de horários para os homens e mulheres) no mesmo lugar”.

Fazendo um paralelo com a cultura dos banhos termais no Japão, Mari Yamazaki apresenta uma saga leve, engraçada, diferente e reflexiva, que vai além do mero asseio corporal.

Para compreender melhor a ligação da autora japonesa com a Itália, basta saber que ela viajou sozinha para Florença aos 17 anos para estudar artes. Sem grana e passando fome, chegou a fazer mangás para ganhar dinheiro com os prêmios que poderia conseguir. Ficou mais de uma década morando no país em forma de bota.

Especialista no assunto, Yamazaki chegou a ser repórter especialista em termas naturais. Viajou por vários lugares do globo, inclusive Portugal.

No tocante ao reconhecimento, os seis volumes de Thermæ Romæ – lançados originalmente entre 2008 e 2013 – concorreram este ano no Festival de Angoulême (França) e no Eisner Awards (Estados Unidos), ganhou prêmios como o Manga Taishô 2010 e o 14° Prêmio Tezuka (ambos no Japão), chegando à marca de mais de oito milhões de exemplares vendidos.

O sucesso extrapolou suas páginas: a saga virou uma série animada na TV japonesa e um filme homônimo em live action de grande bilheteria asiática.

Os belos e detalhistas desenhos de Mari Yamazaki mostram uma precisa pesquisa iconográfica que apresenta ao leitor os nuances arquitetônicos, ferramentas e tecnologias de duas épocas e lugares totalmente distintos, mas unidos pela sua criatividade.

Nos cinco capítulos deste volume, é comum enxergar a estrutura narrativa da autora para explorar as variações ao redor do tema. O arquiteto Lucius sempre “cai” em uma terma para “emergir” através do tempo e espaço.

Cada viagem temporal está intrinsicamente ligada ao “problema” que o romano tem no seu novo status e prestígio profissional.

Quem não está acostumado com a narrativa empregada nos mangás poderá achar essa “cartilha” forçada, mesmo mostrando situações diferentes uma da outra, mas o tom cômico, surreal e fabuloso colocado pela artista atenua a rigidez de uma interpretação mais “coerente” ou “realista”.

Em cada final de capítulo, Yamazaki escreve um texto descontraído – quase um bate-papo – sobre observações ou particularidades de cada tomo.

Mesmo o leitor achando distante o hábito dos banhos termais de imersão tão comuns entre italianos e japoneses, a HQ também faz refletir sobre nossos próprios meios de asseio.

Em um dos momentos, por exemplo, a autora fala sobre a esfoliação da pele por buchas e escovas, e aponta a impressão de meramente enxaguarmos as células mortas que ficam soltas sobre a pele usando espuma e sabão. Para se pensar...

Além dos banhos, Thermæ Romæ mostra também como os perfis desses dois mundos são bastante parecidos. Sem saber mais detalhes e pensando que está na mesma época, o protagonista constantemente se pune por ser “passado para trás” pelos escravos “Caras Achatadas” e, engolindo o seu orgulho, tenta absolver o máximo possível das técnicas, pelo bem do Império Romano.

Se fosse ao contrário, certamente um japonês também exaltaria tal humilhação ou ufanismo.

Outras semelhanças, como as formações geográficas e elementos da culinária, também são comparados na obra.

No seu prefácio, Mari Yamazaki chama a atenção que algumas críticas apontavam um “teor nacionalista” enaltecendo o Japão frente aos costumes de outra cultura estrangeira. Mas quem faz uma leitura atenta, observa que a autora está contextualizando seus personagens.

Um exemplo é quando Lucius Modestus, no primeiro contato com os “Caras Achatadas”, vê-se no direito de absolver a cultura supostamente dominada pelo seu povo, assim como foi com os vários territórios conquistados por Roma.

Misturando fatos históricos e ficção, é interessante ver como os vislumbres do arquiteto do Japão moderno são adaptados para o Império Romano e como ele interpreta as situações no “novo mundo”.

A importância dos banhos termais de imersão é tão grande que se encontra conexões terapêuticas, medicinais, psicológicas e ideológicas neste ato nas duas civilizações. E é apenas o primeiro volume de seis, que aborda o assunto com muito bom humor e sem parecer escatológico ou grosseiro.

A JBC oferece um ótimo e refinado trabalho editorial, com destaque para a tradução habitualmente competente de Drik Sada, que explica em notas de rodapé termos, personagens reais e conceitos ao longo da história.

Com um tratamento editorial diferenciado, o volume tem orelhas, aplique de verniz, papel offset de boa gramatura e um prefácio exclusivo da autora para a versão nacional.

Sem dúvida, Thermæ Romæ é um dos grandes (e bem-vindos) lançamentos dos quadrinhos japoneses neste ano, no qual dois mundos são expostos por uma perspectiva incomum.

Classificação

4,5

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