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The Great War, July 1, 1916: The first day of the battle of the Somme

29 novembro 2013

The Great War, July 1, 1916: The first day of the battle of the SommeEditora: Jonathan Cape / Random House – Edição especial

Autor: Joe Sacco (roteiro e desenhos).

Preço: £$ 20,00

Número de páginas: uma (com sete metros de largura)

Data de lançamento: Outubro de 2013

Sinopse

Um panorama ilustrado de um recorte histórico da Primeira Guerra Mundial: o primeiro dia da batalha por terra em Somme, norte da França, em 1º de julho de 1916, considerado uma das mais sangrentas (e inúteis) da História britânica.

Positivo/Negativo

Apesar de ter como tema um conflito real, The Great War é bem diferente dos trabalhos que Joe Sacco já produziu, seja traçando sua perspectiva na intifada palestina ou colhendo relatos entre muçulmanos sitiados por sérvios na Bósnia oriental.

Seu novo projeto tem caráter experimental e se distancia dos seus álbuns-reportagens: uma única página que mede sete metros de largura quando esticada (dobrada em sanfona são 24 pranchas, 48 páginas), mostrando o primeiro dia da sangrenta batalha de Somme, durante a Primeira Guerra Mundial, na qual os aliados sofreram quase 60 mil baixas e mais de 19 mil soldados perderam suas vidas.

Abrindo um parêntese: é o primeiro dia da investida terrestre, já que nos dias anteriores os alemães foram bombardeados pela infantaria britânica.

Independentemente das discussões se é ou não uma história “em quadrinhos”, a obra sem dúvida é um exemplar genuíno da chamada arte sequencial, ao pé da letra. Sem balões ou onomatopeias, o panorama histórico faz lembrar também da imensa narrativa bordada na Tapeçaria de Bayeux do Século 11.

A produção, feita em oito meses, impressiona pelos detalhes baseados em uma minuciosa pesquisa do artista para oferecer sua versão dos fatos. Uma história que o maltês radicado nos Estados Unidos ouvia (e era fascinado) desde pequeno, quando foi criado na Austrália, onde o tema da Primeira Guerra sempre foi parte fundamental para a consciência nacional daquele país.

À medida que o leitor avança seu olhar horizontalmente, adentra nas linhas aliadas, nas quais o general Douglas Haig passeia pelo quartel-general, os suprimentos e artilharia são organizados e os soldados britânicos e franceses marcham para as trincheiras até a “terra de ninguém”.

Interessante notar detalhes como um cinegrafista documentando a saída dos regimentos para o front. Meses depois, pela primeira vez a sociedade britânica tomou ciência aos horrores da guerra com o lançamento do filme A batalha de Somme, que utilizava essas imagens do primeiro dia.

O dia se torna noite em um dégradé cinza, em que casamatas iluminadas e explosões esporádicas quebram a hegemonia da tonalidade. No raiar do dia 1º de julho, as trincheiras parecem trilhas de um formigueiro. Os bombardeiros se tornam mais constantes e o confronto com as tropas alemãs se resume a ferro, carne e fogo, na “terra de ninguém” rasgada por metralhadoras e canhões da infantaria germânica.

O leitor, ocupando o papel de testemunha ocular da reconstrução do jornalista-quadrinista, percorre as primeiras horas de batalha em “câmera lenta”, observando cada detalhe da poderosa narrativa silenciosa de Sacco.

Mesmo sem onomatopeias para assessorar a plasticidade da ilustração, os ruídos e estrondos da batalha também são insinuados a reverberar na cabeça do leitor, assim como o movimento da passagem cronológica dos acontecimentos.

Páginas panorâmicas não são novidade nos quadrinhos. Um dos exemplos mais recentes é uma edição de Madman produzida pelo seu criador, Michael Allred. O que impressiona neste caso é a largura da obra. Até o próprio autor encontrou dificuldade para “desfraldar” The Great War na sua residência, como visto em um vídeo promocional oferecido pela editora estadunidense WW Norton.

Assim como o recente e premiado Building Stories (uma caixa com álbuns de vários formatos), de Chris Ware, o projeto experimental de Sacco tem um trabalho editorial mais esmerado, o que pode dificultar o interesse de alguma editora no Brasil para publicar obras tão peculiares, infelizmente.

A edição inglesa da Jonathan Cape / Random House é igual à versão norte-americana da WW Norton (vendida por US$ 35,00). Acompanha uma slipcase e de um livreto de 16 páginas nas mesmas dimensões da ilustração (29 x 22,2 cm) quando é dobrada em sanfona entre duas capas duras nos seus extremos.

No livreto, são complementadas as informações iconográficas de Sacco com um ensaio do jornalista Adam Hoschild (autor de livros sobre o período como To end all wars: A story of loyalty and rebellion) e anotações do quadrinhista maltês na forma de um infográfico, enumerando curiosidades e detalhes ao longo da narrativa.

Com mais de 1,2 milhão de vítimas entre mortos e feridos em cinco meses de combate, a batalha de Somme foi a pior derrota dos aliados, que não conquistaram nem um palmo de terra enlameada devido ao posicionamento estratégico das forças da Alemanha.

Como o próprio Joe Sacco diz na sua nota introdutória no livreto, ele não quis fazer juízo de valores ou escolher lados na sua tapeçaria. Seu recorte do massacre em território gaulês é mais do que um exercício de técnica ou relato histórico.

The Great War é um panorama de como a guerra se configura como cruel e sem sentido para a humanidade e mostra a amplitude da força narrativa de uma arte sequencial.

Classificação

5,0

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