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"Robocop é um filme político", afirma José Padilha

19 fevereiro 2014

Nesta sexta-feira, dia 21, o reboot cinematográfico do Robocop (clique aqui para ler a resenha do UHQ) estreia nos cinemas brasileiros em aproximadamente 700 salas. Para promover o lançamento do longa-metragem, o diretor José Padilha e os atores Joel Kinnaman e Michael Keaton estão no Rio de Janeiro, onde conversaram com a imprensa e analisaram as diferenças e semelhanças desta nova versão, além dos objetivos que procuraram alcançar ao se envolver nessa reinterpretação do personagem.

Para começar, Padilha explicou como o projeto surgiu. “Ninguém me chamou pra fazer o filme. Eu estava em uma reunião na MGM, que tinha acabado de trocar um grupo de pessoas, e estavam chamando vários cineastas para conversar. Então, me mostraram vários projetos que tinham. Durante uma conversa com dois executivos da empresa, não me interessava por nenhum projeto, mas atrás de um deles havia um pôster do Robocop”, disse.

José Padilha, Joel Kinnaman e Michael Keaton

“Eu ficava olhando aquele pôster enquanto me apresentavam os projetos, e no final da reunião falei para fazermos o Robocop. Eles olharam pra ver se eu falava sério e me perguntaram qual era a minha ideia. Falei que queria fazer sobre a política dos drones, a substituição de soldados por robôs e o impacto que isso pode ter na geopolítica. Fazer um longa com conteúdo, e não só de entretenimento. Dois dias depois, entraram em contato com o meu agente querendo que eu fizesse o filme.”

Desde que foi anunciado, o projeto gerou expectativa por Robocop possuir uma base de fãs do original. Mas Padilha preferiu ficar alheio a isso. “Ignorei a expectativa dos fãs porque, primeiro, não existe uma massa uniforme de fãs. Cada um tem uma expectativa. Se eu fosse tentar pensar em todas, estaria liquidado, O que tentei foi ser o mais fiel possível ao conceito básico do personagem”, explicou.

E ele analisou o personagem. “Robocop é um personagem que traz a seguinte ideia filosófica: quando se automatiza a violência, abre-se a porta para o fascismo. Mas também se pode pensar nisso de outra maneira, talvez, mais relevante. Veja Tropa de Elite e o treinamento do BOPE para policiais que enfrentarão muita violência, por exemplo. Para que serve? É uma doutrinação. Eles são doutrinados até perder a capacidade de pensar criticamente. O objetivo do homem de preto é entrar na favela e deixar corpos no chão. E é isso. Sou caveira e não vou pensar no que estou fazendo”, compara.

Robocop

“O mesmo acontece em Laranja Mecânica. Quando as pessoas não conseguem ser doutrinadas, elas enlouquecem. Essa ideia de tirar o senso crítico e desumanizar a tropa está embutida na ideia do Robocop. O que o Paul Verhoeven (diretor do filme original, de 1987) fez foi mostrar que a melhor maneira de desumanizar um policial é tirar o ser humano e colocar uma máquina. A desumanização fica completa e perfeita. Quando se automatiza, as portas ficam abertas para uma corporação ou governo fazer o que quiser, sem crítica do soldado ou do policial. Então fomos fieis às ideias do filme, e não à forma.”, analisa.

Mas o objetivo foi também incluir novos elementos. “A política externa e a mídia radical de direita norte-americana, que talvez seja mais extravagante do que os comerciais do original. E olha que é muito difícil fazer comédia com a Fox, porque ela mesma já é uma comédia. É preciso do Samuel L. Jackson para isso”, brincou.

Samuel L. Jackson em Robocop

José Padilha comentou ainda as mudanças na armadura do personagem e a classificação PG-13, que é "leve".

“Não acho que a violência ou sexo em um filme sejam um valor em si. Não é porque ele é mais violento que será melhor. Isso é uma besteira. A quantidade de violência, sexo ou qualquer coisa que se mostre precisa ser coerente com a lógica interna do que será contado. Laranja Mecânica precisa ter violência explícita. Se for Tropa de Elite, necessito mostrar a violência”, disse.

Ele continua. “No filme que fiz, e que me interessou em fazer, abordei a automação da violência. A substituição de soldados por robôs, por exemplo. Os Estados Unidos saíram do Vietnã e do Iraque porque soldados estavam morrendo. Se houver robôs em vez de soldados, o que acontece? Essas guerras teriam acabado? Essa é uma questão séria. A outra coisa que eu queria fazer era discutir a diferença entre homem e máquina. Na medida em que a tecnologia vai evoluindo e as máquinas começam a fazer o que nós fazemos, essa questão teórica da filosofia começa a ficar concreta. Esse personagem, o Robocop, se presta a debater isso”.

O diretor comentou ainda o uso de uma mão natural no novo Robocop. “A premissa do nosso filme é que os Estados Unidos tomaram uma posição a respeito do uso de robôs: eles são utilizados fora do país e podem matar uma pessoa no Teerã, mas dentro do país não. E algo parecido com isso realmente vai acabar acontecendo. Para conseguir colocar o Robocop nas ruas, precisam mentir que há um homem dentro da máquina para derrubar essa lei. E uma das coisas que definem um ser humano é que, quando ele encontra alguém, o cumprimenta com mão. Era uma maneira de maquiar a humanidade do Robocop”, explicou.

Robocop

Michael Keaton completou. “Mas a roupa não é apenas esteticamente preta. Há um subtexto aí, com esse lado sombrio do personagem. É interessante ainda acrescentar que, pra mim, é surpreendente este ser um filme profundo social, política e filosoficamente, sem precisar bater com isso na cabeça do espectador, pois também é entretenimento”.

O ator Joel Kinnaman também falou sobre seu personagem.

“Manter-me concentrado é meu trabalho. Houve algumas dificuldades técnicas, como a roupa, diferenciar a linguagem corporal e emocional e expressões faciais”, disse Kinnaman. “O personagem não pode se expressar com o corpo porque é tudo mecanizado. Mas é similar a interpretar alguém com uma deficiência física. A linguagem corporal precisa expressar uma coisa enquanto o rosto mostra algo totalmente diferente. Foi difícil manter a concentração o tempo todo porque estavam sempre ajustando a roupa e esse tipo de coisa.”

Ele também afirmou ser um fã antigo. “Provavelmente, vi o original umas 20 ou 25 vezes quando era pequeno. Minha mãe é terapeuta e queria me levar para ver um dos colegas dela, porque pensava que eu tinha algum tipo de psicose com o Robocop”, relembrou.

Para os dois atores, ter José Padilha comandando o remake foi importante para aceitarem o projeto.

“A habilidade de José em fazer algo diferente definitivamente me atraiu. Ele é incapaz de fazer algo comum. Se dirigisse Debi & Lóide nos faria pensar que a estupidez pode ser algo interessante”, afirmou Keaton.

Já Kinnaman lembrou que viu os filmes anteriores de Padilha, na Suécia. “Assisti Ônibus 174 e Tropa de Elite 1 e 2 nos cinemas, e o considero um dos diretores mais interessantes do mundo. Há muitos remakes ruins sendo feitos, pelos motivos errados, para faturar alguma grana rápida dos fãs. Mas quando alguém do calibre de José está envolvido, com visão social e política, isso se torna uma ideia interessante”.

Joel Kinnaman e Michael Keaton

Por fim, José Padilha comentou o que torna o Robocop especial. “Fazer um filme político, de estúdio, é muito difícil. O nosso longa é bastante diferente do modelo de estúdio. O estúdio estava pensando em ter um Homem-Aranha ou um Homem de Ferro. Quando fomos desenvolvendo o roteiro, perceberam que o personagem não era assim”.

“Grande parte do público não olha pro filme, preferem ficar comparando. Em vez de discutirem se os Estados Unidos devem usar drone ou não, se a política externa é fascista ou não, a maior parte das pessoas fica discutindo que esse Robocop é preto e o outro era prateado. Aí, perde-se um pouco da atração e do conteúdo. Mas isso era inevitável e sabíamos que aconteceria”, ponderou.

Sobre possíveis continuações, o diretor disse que não tem contrato com o estúdio. “Não tenho obrigação de fazer um segundo filme, de modo que não pensei numa franquia. O problema é do próximo diretor que assumir!”.

“O que tínhamos era uma ideia: essa corporação está criando um golpe de marketing para mudar uma lei. Tudo vem da premissa do filme. Daqui há 20 ou 30 anos, a tecnologia chegará a um ponto em que será possível substituir soldados e policiais por robôs. Isso vai acontecer, não estou inventando isso. É real. Quando essa época chegar, os países terão que decidir se farão isso ou não. Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Japão... isso vai acontecer”.

José Padilha dirigindo Robocop

Robocop

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