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Bidu – Caminhos

5 setembro 2014

Bidu – CaminhosEditora: Panini Comics – Edição especial

Autores: Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho (roteiro e desenhos).

Preço: R$ 19,90 (capa cartonada) e R$ 29,90 (capa dura)

Número de páginas: 80

Data de lançamento: Agosto de 2014

Sinopse

No bairro do Limoeiro, Franjinha é um garoto que deseja ter um animal de estimação... Ou um robô. Ao mesmo tempo, um cachorrinho azul perambula pelas ruas procurando sobreviver, juntando os ossos que acha e usando a carcaça de um carro abandonado num terreno baldio como moradia.

Essa é a história de como os dois primeiros personagens criados por Mauricio de Sousa se tornaram melhores amigos. Uma aventura cheia de problemas, surras, desvios de rota, chuva, cachorros, decisões difíceis e ternura.

Positivo/Negativo

(Antes de iniciar a resenha propriamente dita, vale frisar que Sidney Gusman, editor de todas as Graphics MSP, é também editor-chefe do Universo HQ e amigo pessoal deste resenhista. Dito isto, fica para o leitor o discernimento sobre esta análise.)

Não é à toa que o Bidu é símbolo da Mauricio de Sousa Produções (MSP) e do próprio projeto Graphic MSP, no qual são feitas reinterpretações de personagens criados pelo “pai” da Turma da Mônica sob a perspectiva e o traço de uma nova geração de autores dos quadrinhos nacionais.

O personagem, junto com Franjinha, protagonizou a primeira tirinha de Mauricio de Sousa, em 18 de julho de 1959, publicado verticalmente no jornal Folha da Tarde. Como já aconteceu em outras criações do autor, o cãozinho foi inspirado em Cuíca, o animal de estimação de carne, pelo e osso que Mauricio tinha quando criança.

Depois de Danilo Beyruth (Astronauta – Magnetar), os irmãos Vitor e Lu Cafaggi (Turma da Mônica – Laços), Gustavo Duarte (Chico Bento – Pavor Espaciar) e Shiko (Piteco – Ingá), é a vez da dupla Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho reimaginarem o encontro de Franjinha e Bidu, inaugurando o segundo ciclo da linha Graphic MSP.

O que deixa a nova investida mais interessante é a sutileza dos autores mineiros, que incorporam “quietos” elementos para enriquecer a estrutura simples e direta da narrativa. Como qualquer gibi de Mauricio de Sousa, agrada desde crianças que se alfabetizam no cotidiano da turminha até adultos que cresceram “passeando” pelo bairro do Limoeiro.

O leitor mais atento perceberá que a história começa bem antes da primeira página de quadrinhos: com as ilustrações que parecem um plano escrito em um caixote. Elas estampam uma página antes da HQ iniciar na versão em capa cartonada (página 6) e adorna a folha de guarda na edição em capa dura.

No primeiro quadrinho, uma caneta repousa na cama do Franjinha, oferecendo pistas de que ele será o futuro cientista da turminha, visto seu anseio de ter um robô (ou um cãozinho) e planejar seu primeiro protótipo.

“Protótipo” este que já acompanha o menino arteiro ao longo da narrativa dos desencontros com Bidu, a exemplo da sua fuga ao lado do Jeremias e Titi de uma enfurecida Mônica armada com seu inseparável Sansão.

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Apesar de desenharem os personagens de forma mais cartunesca, a ideia de Damasceno e Garrocho é colocar Bidu e cia. mais próximos de seu comportamento animal.

Quando Bugu (cuja primeira aparição está ao lado de caixas com os dizeres “Alô” e “mamãe”) é expulso pelo protagonista da sua casa improvisada, ele arrodeia os ossos antes de se deitar, como qualquer cachorro “real” faria.

Até uma “muda” e protetora Dona Pedra tem suas aparições conforme a lógica empregada pela dupla de quadrinhistas.

Outra grande sacada é adotar as falas dos animais em forma de ícones ou imagens em vez de palavras. Uma decisão editorial tomada por Sidney Gusman que serviu de desafio para os autores. O recurso se torna uma espécie de “válvula de escape” para o tom mais cômico e metalinguístico da narrativa, aproximando-se mais das HQs originais do personagem.

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A ideia não é nova na história dos quadrinhos. Basta lembrar que foi usada incontáveis vezes até nos próprios títulos da Turma da Mônica, seja em narrativas mais curtas ou nos famosos balões de palavrão, censurados com imagens de cobras, relâmpagos, pregos, caveiras, bombas, dentre outros elementos.

O recurso é como entrar na imaginação dos personagens, além de oferecer uma das características primordiais que classificam a Nona Arte como única em forma de linguagem: seu caráter universal.

Cada um dos animais, seja Bidu, Bugu ou Duque, tem seu “jeito” de latir/falar, o que remete também à personalidade de cada um. Um exemplo mais representativo é o brigão Rúfius, cuja “voz” sistemática e estilizada lembra aquelas plantas de projetos do Coiote para capturar o Papa-Léguas nos desenhos animados.

Como nas obras anteriores de Damasceno e Garrocho, outro destaque que serve de verdadeira aula para qualquer quadrinhista é o uso das onomatopeias e balões.

As formas dos balões representadas no álbum remetem à função pneumática e simbólica da fala, como um verdadeiro balão de ar expelido pela boca (representação esta que deu origem a como são chamados os quadrinhos na Itália, os fumetti).

Do mesmo modo do balonamento, as onomatopeias ocupam espaços na obra de forma real, como um personagem entre os caminhos de Bidu. Como um cão adestrado, o personagem passa entre o efeito fonético diante do perigo ou, quando cai em cima de uma, altera as formas das letras sonoras.

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As onomatopeias também reforçam várias situações, como acompanhar o sopro do vento, o fluxo da água ou ajudar na compressão de uma faminta barriga vazia.

Com uma diagramação funcional e leve (sem delinear os requadros), que ressalta o ritmo da história, a bela arte da dupla ganha reforço com as bem cuidadas cores. Quando Bidu chega ao ápice do seu “dia de cão”, as matizes cinza da chuva evidenciam mais ainda o mundo desolador. Um grande e desolador mundo em uma bela página dupla.

Voltando ao “protótipo”, que vai evoluindo conforme suas aparições na trama, o desfecho promove uma ligação direta com a primeiríssima tira publicada em 1959 (reapresentada no final da edição entre os extras de bastidores).

O mais interessante que se pode notar é a forma como ele foi colocado pelos autores, não como uma “armadilha”, mas como um verdadeiro refúgio.

A ambiguidade dos recordatórios de “como conheci meu melhor amigo” no começo e final da história parece ter sido colocado de propósito por Damasceno e Garrocho. Não importa quem narra, o mais importante é o valor mútuo da amizade.

Bidu – Caminhos pode ser visto também como um “caixote” de entrada que abrigará o leitor para (re)descobrir a química entre os criadores nas excelentes obras anteriores, Cosmonauta Cosmo! e Achados e Perdidos. Um efeito sinestésico.

Inclusive o tema de amizade e solidariedade também envolve esses dois trabalhos, assim como se imagina que é essa parceria simbiótica nas pranchetas, nos softwares livres, no laço de amizade e nas trajetórias cotidianas dos autores.

O álbum pode até ser encarado como um novo “protótipo” com base no pioneiro personagem de Mauricio de Sousa. Mas, nas entrelinhas, é realmente uma singela, prazerosa, bela e positiva mensagem dos que leram e lerão, “porque esse é o objetivo da coisa toda!”.

Classificação

5,0

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